Tecnologias disruptivas e a economia
Táxis contra Uber, operadoras de TV por assinatura contra serviços on-demand, telefônicas contra serviços de mensagens instantâneas: as chamadas tecnologias disruptivas voltaram à tona nas últimas semanas, com as disputas judiciais de negócios que dominam o mercado contra elas, acusando de concorrência desleal. Mas o que caracteriza um avanço como disruptivo? E qual o papel do Estado e da iniciativa privada frente a esse tipo de avanço?
Uma tecnologia disruptiva é aquela que causa uma disrupção, ou seja, uma ruptura, um rompimento no modelo padrão de alguma coisa. Um exemplo é a fotografia digital, que evoluiu em detrimento da analógica. Existia todo um setor de negócios que suportava lojas de revelação, ampliação e fabricação e distribuição de filmes fotográficos até o final dos anos 1990, quando a tecnologia digital veio e dominou o mercado. Filmes quase não são mais fabricados, empresas faliram e as lojas de fotografia encolheram, tendo que se adaptar ao novo momento e flexibilizar o seu negócio e oferecer outros serviços.
No caso das tecnologias, ou na economia de maneira geral, isso ocorre quando há uma ruptura em um modelo padrão de consumo de algum serviço. Quase sempre acontece quando, de um lado, uma demanda por algum produto ou serviço está grande e, de outro, este serviço ou produto “sobra” de alguma maneira. No caso do Uber ou mesmo de aplicativos de táxis, por exemplo, a ideia é a de conectar, por meio de aplicativos móveis, usuários com motoristas ociosos, movimentando um serviço já existente e gerando benefícios para quem o oferece e para quem precisa dele.
Esse tipo de mudança não é novidade no mundo dos negócios. Mas quanto mais acesso às tecnologias as pessoas têm, mais exponencial é o aumento deste mercado de ideias. A reinvenção para a sobrevivência das empresas deixa de ser diferencial e passa a ser regra neste sentido. As empresas precisam se dar conta dos bens que oferecem e ter visão de mercado e das mudanças socioeconômicas que estão por vir.
Disrupção na música, no cinema e na televisão
A mudança e a evolução existem desde sempre. E as tecnologias revolucionárias acabam substituindo o modelo padrão ou mesmo servindo como expansão de um hábito já consagrado. O cinema foi ameaçado pela televisão e mudou seu formato de tela. Mais tarde, foi ameaçado pelas fitas VHS, pelo DVD, pelo blu-ray, pelos downloads ilegais, pelos downloads legais e pelo streaming de vídeo, mas ainda hoje é um dos setores que mais movimenta a economia no mundo. Quem vai ao cinema, vai pela experiência de ir à sala escura, pela exclusividade, pelo tamanho da tela e pelo prazer coletivo.
Mas a sobrevivência de um modelo apesar do crescimento de outro não é sempre o que acontece. Basta ver o declínio das locadoras de vídeo e das vendas de CDs físicos.
Essa história de compartilhamento começou quando Shawn Fanning e Sean Parker criaram o Napster, em 1999. Os dois adolescentes norte-americanos idealizaram a plataforma que possibilitava aos usuários o upload de seus arquivos mp3 e o download dos arquivos já disponíveis. Processado pelas grandes gravadoras americanas, o Napster foi fechado, mas não sem antes revolucionar um mercado.
Hoje em dia, as gravadoras trabalham principalmente com mídias digitais e ainda lutam contra o download ilegal de conteúdo. O mesmo acontece com os filmes e séries de televisão, apesar do número de assinantes de serviços de streaming ter crescido nos últimos anos. O comportamento do consumidor e as tendências de consumo são o que guia as mudanças nestes setores.
Outro setor afetado diretamente por evoluções tecnológicas foi o de fotografia, que substituiu as câmeras analógicas pelas digitais e que se expande anualmente com os smartphones cada vez mais potentes, fazendo com que o filme seja coisa de um passado distante. Multinacionais poderosíssimas que resistem a se atualizar sofrem os piores efeitos, como foi o caso da Kodak.
O caso Uber e o papel do Estado
O principal problema enfrentado com estas mudanças, contudo, é que nem sempre ela acontece em setores como o das gravadoras que, mesmo mudando o meio de distribuição, não sofre efeitos tão drásticos. É necessário sempre levar em conta que, quando todo um segmento de mercado é excluído ou substituído, os empregos também são atingidos.
O caso do Uber é emblemático por unir toda uma classe de trabalhadores contra uma evolução natural. E a acusação de concorrência desleal faz sentido quando se pensa na burocracia necessária para que alguém se torne motorista de táxi em comparação com o que é preciso para ser um motorista do aplicativo.
Enquanto os taxistas preenchem uma cota específica para cada município e esperam meses para conquistar a licença, o motorista profissional de Uber só precisa ter o veículo dentro do padrão estabelecido e de um treinamento para requisitar um cadastro ao aplicativo. Além disso, os taxistas têm profissão regulamentada autônoma ou pertencente às cooperativas e têm de arcar com os custos necessários para se manter regulares, enquanto no aplicativo, isso é ignorado.
É fácil, ao se deparar com o cenário, fazer comparações com as mudanças mais antigas de padrões de consumo e indicar o fácil caminho de “mudar para o Uber”, mas é preciso ter ciência de que nem todos os taxistas têm o poder aquisitivo para simplesmente investir em um carro sedã novo com bancos de couro e todos os requisitos que o Uber exige. Por outro lado, a proibição do aplicativo pelo Estado pode representar uma luta que dificilmente será controlada, visto que esta nova solução está crescendo em todo o mundo e ganhando a simpatia dos usuários como uma nova e acessível maneira de transporte urbano.
Quem defende o aplicativo ressalta que o serviço não se trata de concorrência desleal por ser totalmente diferente dos táxis tradicionais, já que não seria um transporte público, mas um serviço de motoristas particulares. Outra crítica é à força política e a representação que taxistas têm dentro das câmaras legisladoras. Estima-se que, só no Rio de Janeiro e em São Paulo, existam mais de 60 mil táxis em circulação.
A briga é internacional. Além de países como Indonésia, Tailândia, Taiwan e África do Sul, províncias e estados no Japão, Índia e EUA já proíbem 100% do uso do aplicativo. Em países como Alemanha, Bélgica, Holanda e alguns estados australianos, uma das modalidade do Uber, o UberPop, que conecta informalmente motoristas “comuns” aos passageiros, foi banida. Este serviço especificamente foi suspenso na França, depois que os taxistas parisienses causaram paralisações na capital.
O UberPop ainda não está disponível no Brasil, mas a prevenção contra este serviço informal é uma das razões pela qual alguns municípios se movimentam para proibir o aplicativo. Apesar de só estar disponível no Rio de Janeiro e em São Paulo, diversas Câmaras de Vereadores de todo o país já se movimentam para a proibição. Vitória, no Espírito Santo, é um destes exemplos. Em 4 de agosto, o legislativo municipal aprovou o projeto de lei que proíbe o serviço.
Economia colaborativa?
Apesar de muitos defensores do Uber o alardearem como economia colaborativa, ele não pode ser categorizado assim. A ideia deste conceito, que também é chamado de economia peer-to-peer (ponto a ponto, em tradução livre), é a da descentralização dos negócios, permitindo a troca livre de produtos e serviços entre consumidores. O CouchSurfing, por exemplo, é um serviço de hospedagem que possibilita ao usuário cadastrado dormir na casa de um desconhecido também cadastrado no sistema, por uma noite ou mais. Cobrar ou não pela acolhida é uma decisão de cada anfitrião, que pode exigir ajuda em tarefas domésticas, divisão de despesas ou alguma diária simbólica mesmo.
O site tem mais de um milhão de membros cadastrados em mais de 180 países. Outros serviços que podem ser considerados Economia Criativa são a Wikipédia, que só existe por conta da colaboração dos usuários, e também o Bitcoin, uma moeda digital com código aberto usada em negociações de praticamente qualquer coisa.
A ideia da economia colaborativa é de, por meio de modelos de negócio específicos, movimentar a economia não tendo a lucratividade como modelo central e cumulativo. Por mais que os exemplos de iniciativas disruptivas e colaborativas possam se confundir, é importante notar a diferenciação. O Uber, apesar de ser considerado disruptivo, não é colaborativo, porque lucra como uma empresa e tem um valor de mercado de US$ 51 bilhões. O motorista cadastrado recebe 80% do valor da corrida, enquanto o aplicativo fica com os outros 20%.
No ano passado, o portal Business Insider mostrou em reportagem que alguns motoristas não conseguiam nem um salário mínimo mensal norte-americano tendo o Uber como principal atividade. No Brasil, por exemplo, isso pode ser um problema, principalmente pela informalidade e a liberdade dos motoristas cadastrados. Se, por um lado, eles fazem os próprios horários, não têm patrões e não têm nenhum dever empregatício além da entrega de um bom serviço aos passageiros (que avaliam a cada corrida), por outro, não possuem direito a nenhum benefício ou direito trabalhista básico, por não serem considerados nem funcionários, nem microempreendedores.
O Airbnb é outro exemplo de economia disruptiva, mas não colaborativa. O serviço criado nos Estados Unidos possibilita a conexão entre proprietários de imóveis e pessoas que querem fugir do modelo clássico de hotelaria, tendo uma experiência de viver como alguém “local” nas cidades cobertas pela empresa. Os preços variam de acordo com localização e comodidades, variando desde um quarto em uma casa de família ou até em castelos. Hoje em dia, o Airbnb vale mais de US$ 25 bilhões e é mais valioso que a maioria das redes de hotéis internacionais.
A startup, contudo, não funciona sem interferência política. Em 2013, por determinação da prefeitura de Nova York, onde existem mais de 10 mil opções de estadia pelo site, o aluguel de imóveis por menos de 30 dias foi considerado irregular. Com isso, a empresa se viu obrigada a pagar taxas específicas para continuar operando. Hoje em dia, com tais obrigações, o custo deixou de ser um dos diferenciais da marca, visto que existem hostels e hotéis na cidade com valores de estadia mais baratos. O Airbnb continua fortalecido, contudo, por ser uma opção viável para quem quer viajar e ter uma experiência diferenciada.
A sociedade de consumo evolui o tempo todo. Por isso, o surgimento de novas maneiras de movimentar a economia é natural e saudável. É direito dos consumidores, numa democracia, optar sempre pela opção com melhor custo-benefício. E é o dever do Estado, quando possíveis irregularidades possam estar lucrando em detrimento de outro grupo específico, agir para que essa balança esteja equilibrada. E você, o que acha dessas mudanças?
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