Reaproximação entre Cuba e EUA pode trazer efeitos positivos para os dois países
O que aconteceu no dia 17 de dezembro de 2014 vai estar marcado nos livros de história. Por mais clichê que a afirmação possa parecer, existe um impacto histórico na reaproximação entre Cuba e Estados Unidos, depois de mais de 50 anos. O aperto de mão entre o ditador Raul Castro, da República Socialista de Cuba, e o presidente Barack Hussein Obama, dos Estados Unidos da América, representa o fim da Guerra Fria, no Caribe.
As negociações começaram na Casa Branca. O presidente norte-americano adotou uma perspectiva que já era comum de se ver nos críticos ao isolamento proposto pelo país. Resumindo essa perspectiva: o embargo aplicado em 7 de fevereiro de 1962 simplesmente não surtiu os efeitos esperados. O objetivo era impor mudanças à política e à economia da Ilha.
Revolución
A revolução em 1º de janeiro de 1959 foi um golpe à ocupação norte-americana em Cuba. Apesar do país ser, em teoria, independente desde o início do século, quando a República Cubana foi proclamada em 1902, uma emenda na constituição dava aos EUA o direito de intervir direta e indiretamente nos assuntos internos do país.
Na prática, isso significava que Cuba não tinha soberania e independência. Mesmo sendo considerado um país autônomo, legalmente a economia ainda remetia aos tempos em que ainda era uma colônia espanhola, com uma estrutura financeira baseada em exportação de açúcar, com altas taxas de desemprego, uma classe média insatisfeita e submissão aos EUA.
O golpe ao presidente Fulgêncio Batista foi liderado por Ernesto Che Guevara e Fidel Castro, que viria a ser o governante da ilha por 49 anos e modificou totalmente a estrutura econômica do país.
Socialismo
O regime socialista instaurado começou pela distribuição das riquezas e o estabelecimento de uma economia diferente do liberalismo econômico comum ao capitalismo, além de uma maioria absoluta de empresas estatais.
Politicamente o sistema também é diferenciado: não há eleições diretas para os principais cargos executivos e existe um único partido, o Partido Comunista Cubano. As eleições são divididas entre parciais – a cada dois anos e para eleger delegados regionais – e s eleições gerais – que acontecem de cinco em cinco anos, onde são eleitos os deputados nacionais e integrantes das assembleias das províncias.
As riquezas naturais da ilha caribenha são um dos alicerces da economia e da exportação. Tais riquezas são exploradas tanto na mineração de níquel e minério de ferro como na exploração de café, tabaco e açúcar. Estes itens estão entre os mais exportados do país. A Holanda, a China, o Canadá e a Espanha são seus principais parceiros de exportação.
Outro setor que lucra com a natureza é o Turismo, que atrai em média 2 milhões de pessoas todo o ano. Este número deve subir com a abertura da diplomacia com os EUA. No popular site de viagens internacional TripAdvisor, as buscas on-line por viagens a Cuba partindo de diversos países cresceram cerca de 300%, quando o fim do embargo foi anunciado.
O setor, que movimenta hotéis, restaurantes, agências e o comércio local, agora pode receber abertamente turistas norte-americanos, o que não era legalmente possível antes. Os EUA também devem receber impactos economicamente positivos nas agências turísticas. Antes da abertura, a maioria das visitas da população a Cuba era de refugiados e descendentes de fugitivos do sistema político socialista.
Biotecnologia
A indústria representa 28,7% do PIB cubano. Este setor vem sendo puxado nos últimos anos pela produção e exportação de produtos biológicos, como medicamentos e vacinas. Cuba tem a maior população de médicos do planeta e o sistema de saúde é reconhecido mundialmente.
O sistema de saúde cubana, juntamente com a educação, é uma das principais ferramentas de marketing da ditadura que governa o país. Cuba é o país com o maior número de médicos por habitantes, com 6,4 para cada mil pessoas. As exportações de medicamentos e de vacinas chegam a mais de 50 países. O país é o maior exportador de vacina para hepatite B no mundo.
Economia irregular e duas moedas
Apesar das estatais darem conta dos serviços e produtos básicos oferecidos à população cubana, existe muitas críticas à falta de liberdade de imprensa e de diversidade da indústria. O embargo norte-americano, que perdura há mais de 50 anos, também impede um desenvolvimento pleno nestes setores.
Oficialmente o país possuía, até 2014, duas moedas: o peso cubano, que é usado oficialmente em compras dentro do país e para as despesas básicas da maioria da população, e o peso convergível, ou CUC, a moeda utilizada pelo setor turístico para pagar táxis, restaurantes e hotéis. O CUC é a única que pode ser convertida ao dólar e, se for o caso, aos pesos.
Esta separação é a principal fonte de desigualdade no país. Se, por exemplo, uma pessoa alugar um quarto para um turista por 25 CUCs por dia (o valor médio em Havana) e mantiver o quarto ocupado por 20 dias, ao final deste período ela pode converter o valor em 12.000 pesos, o equivalente a 40 meses de salário mínimo cubano (em média, 300 pesos).
Em outubro de 2014, porém, o “Granma”, jornal diário oficial cubano, anunciou o processo de convergência das duas moedas gradualmente, como parte do plano de reforma da economia. O processo deve seguir até abril do próximo ano.
O salário pode parecer baixo, mas a cobertura estatal de serviços públicos dá acesso à saúde e educação em larga escala, o que traz um equilíbrio nesse sentido, mas não resolve a disparidade da distribuição de renda.
Charutos
Como as atividades em que a transição por meio dos CUCs é permitida fazem parte de uma lista limitada, algumas ocupações irregulares já fazem parte da cultura do país há anos.
Entre os melhores do mundo para quem aprecia, os populares charutos cubanos estão entre os produtos mais contrabandeados e vendidos ilegalmente para estrangeiros. Neste submundo, além do contrabando desse tipo de produto apreciado dentro e fora da ilha, atividades como a prostituição fazem parte da realidade do país.
Raúl Castro
Além do combate ao mercado negro com a unificação, o presidente Raúl Castro vem aplicando diversas reformas políticas e econômicas desde que substituiu o irmão, Fidel, em 2008. A mudança de sistema socialista nunca esteve nos planos do líder, quando tomou posse, mas o discurso de atualização do modelo de governo foi percebida desde o início.
A abertura prevista com o reencontro com os EUA é, também, resultante desta abertura aos novos tempos.
Não foi anunciado um fim definitivo para o embargo imposto pelos norte-americanos e o processo não deve acontecer do dia para a noite, mas algumas ações dos dois países demonstram uma aproximação muito maior em 2015 do que durante a maior parte do período que compreende desde a revolução cubana até a reaproximação diplomática em 2014.
Para o economista e professor Jairo Ferracioli, do curso de Comércio Exterior e pós-graduação da Univali (Universidade do Vale do Itajaí), em Santa Catarina, a reaproximação traz aspectos positivos e negativos para a economia do país caribenho.
Segundo ele, o sistema econômico cubano está estrangulado e este confinamento afeta na evolução tecnológica da indústria, principalmente. A princípio, a abertura contribuiria diretamente para a modernização deste setor e poderá movimentar o turismo e as empresas de prestação de serviços.
Este processo, porém, exigiria cuidado por parte do governo. De acordo com Ferracioli, “as novas tecnologias podem gerar desemprego, uma deterioração na distribuição de renda, pois se abre ao capitalismo”.
O economista não descarta que Raúl Castro implante um sistema de social democracia, mas isso só o tempo dirá.
Refugiados
A abertura econômica da ilha pode diminuir drasticamente a imigração ilegal de um país para o outro.
Para Ferracioli, da Univali, o desenvolvimento de Cuba, tanto economicamente como politicamente, pode apontar para uma abertura e uma evolução de diversas maneiras: “Estamos acostumados a acompanhar histórias de cubanos e descendentes buscando, nos Estados Unidos, oportunidades que eles julgam melhores do que em seu país de origem”, diz.
Atualmente, os EUA são o país que mais abriga cubanos fora de Cuba. Cerca de 990 mil vivem lá legal e ilegalmente. Na Espanha, que vem em seguida no ranking, a estimativa é de que sejam 103 mil. Isto ocorre principalmente pela proximidade geográfica do sul do estado norte-americano da Flórida com a ilha.
Em 14 de abril deste ano, os Estados Unidos finalmente tiraram Cuba dos países que apoiam o terrorismo. Oficialmente, Cuba nunca se mostrou favorável a este tipo de prática, mas a lista é uma boa demonstração de alguns países vistos como inimigos políticos dos norte-americanos. A medida foi recebida de maneira positiva pelos cubanos.
Mesmo três meses depois do anúncio de reaproximação diplomática, ainda é cedo para tirar conclusões definitivas. Os dois presidentes demonstram boa vontade para melhorar esta relação, o que deve ser benéfico para grande parte do continente americano. De acordo com o professor Ferracioli, “os dois lados ganham, mas Cuba terá a oportunidade de experimentar uma social democracia com desenvolvimento, um crescimento econômico. Os países vizinhos que sofrem certa pressão americana também podem se favorecer em termos de comércio com Cuba”, afirma.
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