Racionamento: como a sua empresa vai se comportar?
Marcos Morita é mestre em administração de empresas e professor da FIA-USP e Universidade Mackenzie. Especialista em estratégias empresariais, é palestrante e colunista. Há vinte anos atua como executivo em empresas multinacionais.

As manchetes não deixam dúvidas. Há uma grande chance de um racionamento duplo, algo parcialmente cotidiano aos paulistanos e o sistema Cantareira. Com sua pujança e riqueza, imagens de cisternas e baldes de água na cabeça não passavam de imagens do sertão, vistas no jornal noturno. Não obstante os críticos de plantão, os quais corretos, mencionam a falta de planejamento, o fato é que precisaremos nos acostumar à nova situação, a qual curiosamente vivi algumas semanas atrás.

Tive a experiência de passar as férias em uma pousada em meio à mata atlântica. Como bicho da cidade, não esqueci o kit de sobrevivência: notebook, celular e tablet. Ao chegar, a surpresa de que não havia luz elétrica. Apesar da decepção inicial, exploramos com criatividade, colaboração e companheirismo, aspectos esquecidos no dia a dia: contar histórias aos filhos, brincar de sombra a luz e velas, conversar deitado, tomar banho no rio, dormir com a janela aberta, acordar cedo.

No quarto ao lado havia outra família, a qual praguejava incessantemente sobre a novela perdida, a falta de ar condicionado, o frigobar, o lampião e as velas. As caras de poucos amigos e a falta de diálogo no café da manhã indicavam que mais uma noite ruim havia se passado. Duas famílias, duas experiências, um mesmo local. Comportamentos, atitudes, posturas e resultados diferentes para lidar com a mesma situação. Como consultor, logo tracei um paralelo da situação com o mundo corporativo.

Ninguém duvida de que este será um ano difícil para as corporações, as quais precisarão acostumar-se com a escassez de clientes, pedidos, projetos, receitas e quiçá de água e energia. De maneira análoga ao ocorrido na pousada, empresas e colaboradores poderão escolher diferentes abordagens para resolver os desafios que virão. Façamos um comparativo, iniciando com o exemplo mais comum no mundo corporativo: a família mal humorada.

Larga que é meu: tal qual a família do quarto ao lado que brigava pela falta de opções, diretores, gerentes e vendedores lutarão pelos escassos projetos, clientes, propostas e pedidos, protegendo a si e sua equipe. O foco interno na resolução de conflitos gerará desgaste e ressentimento, sobrando até para a satisfação dos clientes e parceiros de canais, relegados a segundo plano na politica do larga que é meu. Como já dizia o ditado: onde falta pão, sobra confusão, havendo discórdia por migalhas.

A ideia foi minha: já teve a impressão que sua ideia brilhante, foi tomada por colegas? Conforme Steven Johnson, conhecido como o Darwin da tecnologia, você provavelmente está errado. Segundo o autor, as ideias provêm da colisão de pontos de vistas diferentes, através de ambientes propícios. Motivo de confusão em épocas normais, podem aumentar em tempos conflituosos, fazendo com que os colaboradores prefiram calar-se, diminuindo ainda mais a geração de novas ideias.

Estou certo que conseguiu identificar alguns exemplos em sua empresa. Desconfiança, ressentimento e situações de conflito são comuns quando se está sob pressão, exacerbando-se a cultura do controle e do salve-se quem puder, apontando-se culpados ao invés de encontrar soluções. Inovação e colaboração, essenciais para a geração de novas ideias, são impensáveis neste ambiente. Com medo de arriscar, colaboradores levam a empresa à letargia e ao engessamento, numa espiral descendente.

Talvez a saída esteja em criar um ambiente mais colaborativo e amistoso, no qual erros sejam aceitos e até incentivados, colocando-se o grupo em primeiro lugar. Definição de métricas coletivas, estabelecimento de projetos interdepartamentais, quebra de barreiras hierárquicas e protocolos ultrapassados, trabalho em casa, mudança de layout e códigos de vestimenta mais informais podem ajudar a transmitir o novo modus operandi, cujo cerne está na mudança da mentalidade dos gestores.

*Marcos Morita é mestre em administração de empresas e professor da FIA-USP e Universidade Mackenzie.

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