Países africanos buscam exemplo brasileiro para se despontar no cenário econômico mundial
O Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, concluiu no sábado (13) uma missão empresarial à Gana, ao Senegal, à Nigéria e à Guiné Equatorial, na África. Para outubro próximo, o ministério prepara mais um périplo africano. Da próxima vez, o roteiro deverá incluir a África do Sul, o Zimbábue, Angola e Moçambique, que será a terceira missão à África este ano. O interesse pelo continente se explica pelas ligações históricas, mas também pela perspectiva econômica: em breve, os africanos serão uma população de 1 bilhão de pessoas.
No momento, a África desponta como a parte do mundo menos atingida pela crise econômica mundial, extremamente rica em produtos estratégicos – petróleo e minério, por exemplo -, e carente de produtos e serviços que as empresas brasileiras acumularam alguma experiência, como a execução de grandes obras.
Diversos países africanos precisam urgentemente de rodovias e hidrelétricas. Outra urgência é encontrar uma vocação econômica sustentável, que gere emprego e renda no continente mais pobre do mundo.
A intenção, admitida durante a missão pelos africanos dos países visitados, é que a África se torne, como um todo, um continente de países emergentes como é o Brasil.
Em torno desses objetivos, o ministro Miguel Jorge esteve com três chefes de Estado e reuniu-se com dezenas de ministros. Os executivos brasileiros que acompanhavam a missão fizeram contato com mais de 700 produtores e importadores africanos.
De volta ao Brasil, depois de seis dias de viagem, aguardando o abastecimento do avião da Força Área Brasileira (FAB), no aeroporto de Recife, Miguel Jorge concedeu a seguinte entrevista à Agência Brasil, onde falou dos resultados da viagem e dos recentes fatos da economia como a redução do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre, a redução da taxa Selic a 9,25% e a possibilidade de prorrogação da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Agência Brasil (ABr) – Que balanço o senhor faz da missão empresarial à África Subsaariana?
Miguel Jorge – Um balanço positivo, como tenho feito das outras missões. Nós tivemos cerca de 85 empresários brasileiros, desde pequenas e médias empresas até grandes companhias. Esses empresários fizeram muitos contatos, alguns fizeram negócios mesmo e assinaram contratos. Eu conversei com alguns, que até nomearam distribuidores de produtos brasileiros em alguns países da África. Uma missão como essa tem o objetivo de vender, se não o empresário não viria. Mas ela tem também um objetivo muito importante que é o de o empresário fazer contato, fazer com que o empresário encontrem contrapartida do outro lado e comece uma relação comercial que se estenda no futuro. Nesse ponto de vista, a missão foi de absoluto sucesso. Nós fomos recebidos muito bem em todos os lugares. Há uma expectativa muito grande em relação ao Brasil, não que vendamos produtos para eles, mas também que nós ajudemos com qualificação de mão de obra, treinamento e transferência de tecnologia. A transferência de tecnologia é um fator que aparece em praticamente todas as reuniões com governos e empresários africanos. Nós temos um papel importante de ajudar esses países. Isso se percebe com muita clareza, há um interesse e expectativas enormes da África pelo Brasil. Eu acho que nós devemos atender ao máximo essas expectativas. Esses países precisam do Brasil, precisam da gente. Nós temos uma posição diferente em relação aos países ricos, que têm pouca preocupação com a parceria com os africanos. Eu acho que o brasileiro desenvolveu uma solidariedade em relação aos seus vizinhos e, especialmente, aos países africanos, que não se nota em outros países. Essa solidariedade é que faz com que haja essa expectativa. Nós somos claramente, como país e como povo, uma extensão da África. Portanto, como nós somos vistos como uma extensão da África que deu certo e avançou muito, que progrediu e que somos um país que tem importância econômica e que tem índice de qualidade de vida muito superior a esses países, o que eles gostariam de ser é o Brasil. O sonho desses países é ser como o Brasil. Nós temos que ajudá-los para que isso aconteça.
ABr – Os executivos que estiveram na missão assinalaram a dificuldade do crédito para os africanos financiarem importações de produtos ou contratarem serviços brasileiros. Eles apontam que o Brasil exige muitas garantias e os procedimentos são muito burocráticos, e que a concorrência (chinesa e coreana, por exemplo) é mais dinâmica. Isso é de fato um problema?
Miguel Jorge – O problema fundamental não é da burocracia ou de dinamismo, mas a capacidade de financiamento do país. A China tem reservas de mais de US$ 1 trilhão e o Brasil de mais de US$ 200 bilhões. Quando ocorreu a crise, como em outros países, uma grande parte das empresas brasileiras tinha muito financiamento no exterior. Quando esse financiamento secou, as empresas buscaram financiamento no mercado interno e, evidente, como o país não tem uma economia tão grande quanto à China, por exemplo, houve falta de recursos. O dinheiro é uma mercadoria. Você tinha gente tomando empréstimo no exterior e de repente voltou a pegar dinheiro no Brasil, faltou mercadoria, faltou dinheiro, faltou financiamento. Isso já está voltando ao normal. Houve também na época uma aversão muito maior pelo risco, isso fez com que os financiamentos ficassem mais difíceis. A normalização do processo econômico vai levar que isso mude. Não vai faltar dinheiro. Eu reconheço dificuldades para as pequenas e médias empresas, dificuldades para financiar tanto para mercado externo quanto mercado interno. Mas para essas empresas não tem faltado financiamento. O BNDES tem para este ano um orçamento de US$ 109 bilhões e não tem faltado financiamento para empresas que sejam idôneas, sérias, com cadastro positivo. Não temos tido reclamações. Isso aconteceu, principalmente, no começo do ano, mas hoje está praticamente normalizado. Nós não temos tido mais queixa nesse sentido.
ABr – Qual efeito da redução da Selic (taxa básica de juros) para a economia brasileira?
Miguel Jorge – Nós vamos ter que aprender a conviver com essa taxa de juros que começa a chegar no nível de país civilizado, próximo de 5% em termos de juros reais. Por outro lado, ela [a nova taxa, hoje 9,25% ano ano] cria uma série de problemas para a economia, especialmente porque ainda temos algum tipo de indexação que está acima desse patamar. Vamos ter que fazer um tipo de ajuste e a sociedade toda vai ter que se acostumar a uma taxa de juros muito menor. Claro que é benéfico, quanto menor a taxa de juros, melhor. A taxa de juros Selic é uma referência e a sua diminuição abre nova perspectiva para o país.
ABr – Que tipo de problema? A caderneta de poupança?
Miguel Jorge – A poupança é um deles, mas falo dos contratos que estão indexados. A economia vai ter que ficar bem mais desindexada. Nós vamos passar por um processo de aprendizagem interessante e positivo.
ABr – Com a redução, vão aumentar os investimentos das empresas?
Miguel Jorge – Eu acredito que sim. Isso mostra que o país está estável e os fundamentos da economia funcionam muito bem. Os empresários sempre reclamam da taxa de juros, ela é um indicador. O que interessa aos empresários, de modo geral, e à população, é que os juros diminuam na ponta, na operação real. Que os juros do sistema financeiro sejam menores assim como o spread bancário. Claro que o spread é sempre relativo ao custo do dinheiro. O dinheiro é uma mercadoria como outra qualquer: tem falta de dinheiro, o preço sobe; tem abundância de dinheiro, o preço cai. No entanto, nós sabemos que quando teve essa enorme folia financeira que levou à crise, o nosso spread era muito alto. Nós precisamos fazer com que o spread diminua e, aí sim, os investimentos sejam financiados não só por bancos como o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], mas também que haja no sistema financeiro um processo de investimento.
ABr – Como o senhor recebeu a informação da queda do PIB no primeiro trimestre?
Miguel Jorge – Com bastante naturalidade. Eu já tinha dito que o PIB seria negativo. Eu tenho criticado muito os analistas, que erraram mais uma vez em relação à redução da taxa de juros. Os analistas estavam todos prevendo 0,75 ponto percentual e aí você lê nos jornais ‘analistas surpresos’. A única coisa que sempre se lê nos jornais é ‘analistas surpresos’. Eles deveriam se abster um pouco de fazer previsão. Quando eu falei em recessão, e até recebi umas críticas, é porque os números já estavam claros. Os números do último trimestre do ano passado eram negativos e os números que nós acompanhávamos, mas não eram divulgados, também eram. Quando eu falava em recessão, portanto, era recessão técnica, que até alguns economistas hoje não consideram tão importante. De qualquer forma, o resultado do PIB foi o esperado e nós vamos ter um segundo trimestre melhor e, conseqüentemente, um terceiro melhor que o segundo, e um quarto melhor que o terceiro. Programas como Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, começarão ter impacto na economia a partir do segundo semestre, quando começam os desembolsos. Repare que a Caixa Econômica Federal nos cinco primeiros meses do ano fez quase o dobro de empréstimos do que no ano passado, quando havia a chamada abundância de financiamento e de dinheiro. Nós estamos no caminho certo para a recuperação, que vai ser lenta e difícil mas vai ocorrer.
ABr – E o resultado da balança comercial?
Miguel Jorge – A balança tem se mostrado positiva há algum tempo, fora aquele acidente de percurso nos dois primeiros meses do ano, tanto que já tem acumulado US$ 7,5 bilhões e tem mantido uma média boa no fechamento semanal. Nós consideramos que a tendência é haver melhora no segundo semestre, e este semestre será menos ativo, mas nós teremos um bom resultado este ano.
ABr – Diante dessas perspectivas, ainda é necessário manter a isenção e a redução do IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados]?
Miguel Jorge – Eu venho da indústria e sempre, quando foram tomadas essas medidas de redução e isenção de IPI, reclamei muito quando alguma autoridade dizia que deveríamos manter a redução do IPI porque faz que haja uma postergação de compra. O IPI reduzido tem o objetivo de fazer com que o consumidor se entusiasme e compre o produto. Se você anuncia com antecedência de duas ou três semanas que o IPI será reduzido, alguém que estava se programando para comprar o produto vai deixar para o próximo mês. O próprio presidente Lula tem falado: ‘olha se você for comprar, compre agora não deixe para depois. Faça com que a roda da economia continue a girar’. Então, mesmo que eu seja favorável, até o último dia eu vou dizer que sou contra a prorrogação da isenção e redução do IPI.
Gilberto Costa – Enviado especial da EBC
Agência Brasil
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