Narcotráfico e economia
Acompanhei pela televisão, assim como os brasileiros e o mundo todo, a ocupação do Complexo do Alemão no Rio de Janeiro por parte das forças armadas e policiais. Polícia, exército, marinha, todos desestruturando o maior centro de distribuição de drogas do Rio (e talvez do Brasil). Alguns dados dessa incursão impressionam: foram aprendidas 135 armas, 33 toneladas de maconha, 235 quilos de cocaína, 27 kg de crack e 1.406 frascos de lança perfume. Ao todo calcula-se um prejuízo para os traficantes instalados nas favelas cariocas de mais de 100 milhões de reais (aproximadamente 56 milhões de dólares), isto sem contabilizar a perda de automóveis, motos, residências luxuosas dentro (contrastando com a miséria) e fora do complexo do Alemão e dinheiro em efetivo.
O narcotráfico, do ponto de vista econômico, representa um dos negócios mais lucrativos do mundo, segundo dados da Organização das Nações Unidas. Esses dados revelam que essa atividade ilícita movimenta mais de US$ 500 bilhões por ano, o dobro do faturamento da indústria farmacêutica mundial e o equivalente a dez vezes mais do que é gasto por ano em políticas públicas de desenvolvimento econômico no mundo.
O fluxo do narcotráfico mundial, especialmente o da cocaína, denota uma dinâmica fluída, rumo ao mercado dos Estados Unidos, 300 toneladas dessa droga chegam a um preço médio de US$ 20.000 o quilo no atacado, com o que se tem uma renda de 6 bilhões de dólares. A Europa recebe, aproximadamente, 100 toneladas a um preço médio de US$ 50.000 o quilo no atacado, com uma renda de 5 bilhões de dólares e nos mercados de África e Ásia, chegam 50 toneladas a um preço médio de US$ 35.000 o quilo no atacado, gerando uma renda de US$ 1,75 bilhão. Esses dados são estimativas, porém, o valor final da droga no varejo se multiplica exponencialmente já que há um processo de diluição de pureza da droga e uma pulverização da cadeia de distribuição da droga no varejo.
No entanto, engana-se quem acredita que o narcotráfico tem o caráter de máfia ou de gangues, ao contrário, é uma sólida cadeia produtiva agroindustrial, comercial e financeira que, por sua integração vertical e horizontal, e seu alcance global, assemelha-se cada vez mais a uma empresa multinacional do que a uma família do crime organizado retratada de forma caricata nos filmes ou seriados da televisão. Desde o produtor dos insumos da droga até o consumidor final existe um elo dinâmico e de altas margens de lucratividade.
Acreditar que o problema do narcotráfico se restringe exclusivamente ao processo de comercialização é negar que essa atividade existe porque há uma demanda represada e ativa fundamental que o incentiva. Ou seja, há estímulos de mercado que estimulam às práticas de comercialização as quais, por sua vez, dependem de um suporte repressivo ilegal e corruptor assim como também dependem de um meio carente de infraestrutura social e econômica para poder se desenvolver.
Essa realidade pude verificar in locu no Peru, país produtor de folha de coca (insumo vital para a preparação da pasta básica de cocaína) na década de 1990 quando trabalhava para um órgão de desenvolvimento sócio-econômico com recursos de organismos internacionais como a DEA (Drug Enforcement Administration) do governo americano. Especificamente, minha função era aplicar projetos alternativos de substituição da folha de coca nas regiões que a produziam. Observei que o narcotráfico se inicia com o aliciamento de camponeses por parte dos traficantes os quais pagam com antecedência para que estes plantem folha de coca. Os lugares escolhidos são de difícil acesso para o exército assim como também são espaços que não têm nenhum tipo de política pública direcionada às demandas locais e sua população está abaixo da linha da pobreza o que configura um grande determinante de dependência econômica pela atividade ilegal.
Peculiarmente, essas regiões produtoras de folha de coca no Peru funcionam como pequenos pólos de geração de renda. Como decorrência, tem-se os efeitos de criação de uma série de comércios periféricos ao redor da indústria da droga tais como restaurantes, pousadas, bordéis e lojas de roupa, que existem em função da renda do narcotráfico. O quilograma da pasta básica de cocaína (PBC), que depois de refinada vira cocaína, custa aproximadamente 800 dólares. No mercado consumidor do varejo esse insumo refinado chegará a valer até 330 mil dólares (preço da droga em Tóquio). Sem dúvidas, a droga é o produto com altíssimo valor agregado, o mesmo produtor da folha de coca é incentivado pelos narcotraficantes a elaborar a Pasta Básica de Cocaína, o próprio lhe fornece os insumos e este num laboratório clandestino, no meio do mato a elabora.
Uma vez produzida a PBC é refinada e transformada em cocaína ela é transportada dos centros produtores (Peru e Bolívia) para os grandes centros consumidores. Aí entra o fator demanda. Obviamente os impulsos da demanda provocam um aumento significativo da oferta da droga no mundo, obriga inclusive ao narcotráfico a desenvolver “produtos” que se adéqüem à renda do mercado consumidor. Isso explica o vertiginoso crescimento do consumo do Crack (feito da borra da cocaína) em mercado com renda mais limitada. Em todas as etapas da cadeia produtiva, a droga desenvolve relações próximas com a violência e o submundo, inclusive, em muitos casos, flerta com o poder e as instituições. O Filme de Steven Soderbergh, Traffic (2000), mostra claramente essa relação. Enquanto o Governo Americano se preocupa por repelir os grandes cartéis mexicanos que comercializam a droga, a sua população demanda esses narcóticos. Mais uma vez reforço que sempre que existir demanda haverá produção de drogas no mundo.
Voltando ao caso do Complexo Alemão, o que vimos é somente a ponta do iceberg do problema. Entendo que foi dado um duro golpe contra essa atividade ilegal, mas essa realidade perversa voltará a ocupar os noticiários se não houver uma mudança estrutural no que respeita a políticas públicas permanentes de combate ao narcotráfico, bem como uma atuação consistente do Estado. É importante repelir o comércio, porém, mais importante é investir em infraestrutura básica (econômica e social) das regiões onde essa atividade ilegal se aloja (inclusive, nas regiões produtoras, dos países pobres). A conscientização de que é importante controlar a demanda por essas drogas, também é vital e se torna um caso de seguridade social.
* Hugo Eduardo Meza Pinto é economista, doutor pela Universidade de São Paulo (USP) e professor das Faculdades Integradas Santa Cruz de Curitiba. Mais artigos e materiais do economista, podem ser lidos no seu blog.
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