Libertando o dragão da inflação
Em todo conto de fadas que se preze, para conquistar a formosa princesa, o príncipe precisa antes derrotar um temível dragão. Com a economia brasileira não foi diferente. Por quase duas décadas, nossa princesa do desenvolvimento foi refém do dragão da inflação.
A partir do Plano Real fomos gradualmente domando o monstro. O controle da inflação, somado ao aumento da população em idade de trabalho, e aos impactos na economia brasileira da entrada da China na OMC, permitiu que a taxa média de crescimento do PIB do país a partir de 2004 fosse o dobro da média dos 24 anos anteriores. Além disso, a distribuição de renda melhorou muito.
Desde 1999, o dragão inflacionário brasileiro esteve amarrado a um tripé chumbado firmemente. Sua primeira perna é o regime de metas de inflação. À medida que elas foram sendo atingidas, a credibilidade do regime e sua capacidade de balizar as expectativas inflacionárias e de reduzir o risco de uma aceleração foram crescendo.
A segunda perna do tripé é o câmbio flutuante. Quando a economia mundial está aquecida, os preços das matérias primas que exportamos sobem e as entradas de capitais no país aumentam, valorizando o Real e barateando produtos importados, o que segura a inflação.
A terceira perna é a política de superávit primário do governo. Além de garantir a solvência brasileira – evitando que o país passe por uma crise similar à de muitos países europeus – esta poupança pública para pagamento de juros limita os gastos do governo, reduzindo o risco de que a demanda interna se aqueça e alimente a fogueira inflacionária.
Acontece que, de uns tempos para cá, o governo vem serrando as três pernas do tripé. O Banco Central tem reduzido a taxa de juros, mesmo com a inflação acima da meta e em elevação. Para piorar, muitos já desconfiam de sua independência em relação ao governo e de sua capacidade de apertar o cinto, elevando a taxa de juros para segurar a inflação, quando necessário.
A julgar pelos últimos meses, o dólar agora só pode flutuar entre R$ 2,00 e 2,05. Uma taxa de câmbio mais desvalorizada encarece produtos importados, elevando a inflação.
Por fim, o governo já admite que a meta de superávit primário não será cumprida. De quebra, para proteger alguns setores da indústria, o governo vem elevando a alíquota de importação de diversos produtos, colaborando para preços e inflação mais altos por aqui.
Não bastasse o tripé já meio bambo, o dragão está ganhando força por outros fatores. O desemprego é o mais baixo da história, gerando elevações de salário acima da inflação, o que é ótimo do ponto de vista social, mas também eleva os custos de produção, pressionando os preços.
Além disso, os países ricos emitem moeda no ritmo mais acelerado da História. Isto eleva os preços de matérias primas, ajudando nossas exportações. No entanto, sem apreciação cambial, a inflação por aqui aumenta. O preço da gasolina, por exemplo, subirá em breve ou a Petrobrás terá de cancelar investimentos.
Por fim, a quebra de safra de grãos em várias partes do mundo devido a um clima desfavorável elevou ainda mais os preços dos alimentos.
Em resumo, se o governo não voltar a reforçar o tripé anti-inflacionário, não se assuste se encontrar o dragão inflacionário voando cada vez mais alto e levando com ele nossa princesa do desenvolvimento.
* Este artigo foi publicado originalmente na revista IstoÉ.
** Ricardo Amorim é economista, apresentador dos programas Manhattan Connection da GNT e Economia e Negócios da Rádio Eldorado, colunista da revista IstoÉ e presidente da Ricam Consultoria Empresarial.
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