“Hoje, as pessoas já não respeitam nada. Antes, colocávamos em um pedestal a virtude, a honra, a verdade e a lei. A corrupção campeia na vida destes dias. Quando não se obedece outra lei, a corrupção é a única lei. A corrupção está minando este país. A virtude, a honra e a lei se transformaram em fumaça e desapareceram de nossas vidas.” Palavras de Alphonse Gabriel Capone, o Al Capone, contrabandista e vendedor de bebidas durante a “Lei Seca”, nos Estados Unidos. Também matou muitas pessoas. Foi preso por sonegação fiscal dias depois da entrevista à revista Liberty, publicada em 17 de outubro de 1931.

Neste momento do Brasil, a reflexão do gângster gera questionamentos: O que busca o povo brasileiro quando vai às ruas em plena democracia? Que desejam jovens, adultos e idosos com diferentes mensagens, gritando antigas e novas palavras de ordem como nos tempos da ditadura?

Os brasileiros estão cansados de problemas crônicos: saúde, educação, desemprego, falta de ética na política. A roubalheira ao longo de décadas teve, no Petrolão, a gota d’água. Transbordou com a crise política, econômica, social e, acima de tudo, moral. Não há mais espaço para discurso vazio, promessa não cumprida, corrupção, desmando e incompetência. Muito menos para delatores ou não, criminosos que cometeram absurdos contra o povo.

Eles roubaram dinheiro que, se investido na saúde, teria salvado muita gente da morte em alguns surreais hospitais públicos de todo o País. Como Al Capone, ao falar de si mesmos, tentam nos enganar outra vez. Posando como “heróis da Pátria”, com falso arrependimento prometem devolver o que roubaram e entregar comparsas. Não enganam ninguém. Queremos mudanças para valer, reformas estruturais que garantam inalienáveis direitos. Mais sintomático que o povo nas ruas em legítimo ato de cidadania, é quando as pessoas se revoltam caladas nas casas, fábricas e universidades. A desesperança é muito perigosa.

Nos tempos atuais em que o povo retorna às ruas para exigir honestidade, lembro um cidadão brasileiro, morto há 13 anos (ironicamente o número do partido que ajudou a criar): Carlito Maia. Publicitário brilhante, jornalista irreverente, responsável agitador e o melhor amigo de qualquer um. Suave e forte. Apaixonado convicto, solidário e bem-humorado, integrou o seleto grupo dos seres em extinção.

Carlito veio ao mundo a passeio, não em viagem de negócios – como dizia de si mesmo. Foi o único sonhador realista que conheci. Transbordando ternura mas, também, repleto de coragem, era capaz de derrubar montanhas para que elas não fossem a Maomé, só para o profeta não se acomodar. “Uma vida não é nada. Com coragem, pode ser muito”, dizia.

Nestes tempos bicudos, com tantas revelações de corrupção, imagino a decepção de Carlito. Ele que preconizou ao afirmar: “A esquerda, quando começa a contar dinheiro, vira direita”. Ao ver o povo protestando contra os (des)governos nos três níveis, sinto saudade de suas frases, flores e cartões escritos com canetas bicolores, configurando sua comunicação criativa, lúcida e emocionada que faz refletir, querer e transformar.

Meu velho, você estava certo: “Nós não precisamos de muita coisa. Só precisamos uns dos outros”. Sem perder a esperança, mantendo a determinação de lutar por nossos direitos, defender verdade e justiça, podemos com mais educação e cultura mudar o Brasil pelo voto consciente e responsável.

*Ricardo Viveiros, 65, é jornalista e escritor. Entre outros livros, é autor de A vila que descobriu o Brasil e Todo mundo disse que não ia dar certo, publicados pela Geração Editorial, e presidente da Ricardo Viveiros & Associados – Oficina de Comunicação.

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