Em Vitória, um mundo de pequenos negócios combate a pobreza no Território do Bem
Um mundo de experiências de economia solidária. É assim que se pode definir o chamado “Território do Bem”, um complexo de oito comunidades pobres encravadas no meio da Ilha de Vitória, capital do Espírito Santo, onde circula a moeda social chamada Bem e funcionam o Banco Bem e uma infinidades de empreendimentos solidários.
É impossível contar a história do banco bem sem passar pela história das costureiras do Bem Arte Moda, pelas cozinheiras do Bem Nutrir, pela marcenaria do Bem Arte Madeira, pelas decoradoras do Bem Decorar, enfim, uma infinidade de iniciativas que trouxe dignidade para muitas famílias das comunidades pobres do “Território do Bem”, como é carinhosamente chamado pelos próprios moradores o com,plexo de comunidades em torno do Morro de São Benedito.
Tudo começou com o fracasso de uma iniciativa destinada a adolescentes de uma grande loja de departamento. A proposta, que tinha por objetivo gerar renda a partir da customização de roupas, não atraiu os adolescentes e o projeto morreu. No entanto, para as mães dos adolescentes, a idéia permaneceu.
Elas começaram confeccionar roupas e, em dezembro de 2002, foram convidadas para uma feira, no bairro de Itararé, bem no pé do morro. Produzir roupas para a feira foi o primeiro desafio pois não havia dinheiro. Elas precisavam de mais produtos e começaram a procurar empréstimos nos bancos. “Começamos a receber os ‘nãos’ da nossa vida. Ninguém emprestava. Todas tinham o nome sujo no mercado, não tinham como comprovar renda”, relata Leonora Michelin Labossière Mol, coordenadora do Banco Bem.
O dinheiro para produção veio de um dos fiéis da igreja localizada na Praia do Canto, bairro vizinho ao Território do Bem, com o poder aquisitivo dos mais altos da capital capixaba. “Conseguimos R$ 300 com uma pessoa da igreja e com esse dinheiro as mulheres compraram linha. Foram para essa feira e venderam tudo que levaram”, destacou Leonora.
O grupo contava com 60 mulheres e voltou para casa com R$ 800. Elas pagaram o empréstimo e na hora que colocaram os R$ 500,00 na mesa viram que não poderiam naquele ano realizar o sonho de comprar para cada uma um peru para a ceia de Natal. “Dava menos de R$10 para cada uma. Nesse dia 20 mulheres saíram do grupo outras 40 resolveram ficar”.
Até que uma das mulheres pensou: se, com R$ 300,00, elas tinham conseguido voltar para casa com R$ 500, poderiam conseguir muito mais se investissem parte desse recurso na produção e guardassem outra parte. Elas abriram uma conta de poupança, com R$300,00, e ficaram de dezembro de 2002 a dezembro de 2003 sem tirar um único tostão desse dinheiro. Os outros R$ 200,00 se transformaram em capital de giro. Compraram material para ser trabalhado nas máquinas de costuras que conseguiram por doação.
No final do outro ano, o sonho não era mais o peru de Natal. O grupo de mulheres estava bem menor porque muitas conseguiram emprego. Só oito mulheres se mantiveram no grupo. A partir daí, o grupo de moda continuou e ainda emprestou dinheiro para outras iniciativas no morro. Em 2003, uma das mulheres descobriu que o que ela gostava de fazer não era moda: era cozinhar. Ela aprendeu a fazer panetone e ainda peregrinou pelos bancos tradicionais em busca de um empréstimo para financiar sua produção. Não conseguiu com os bancos, mas conseguiu com as antigas parceiras da moda. Surgia aí o grupo da culinária, com quatro mulheres.
Hoje, esse grupo é formado por sete mulheres. Elas começaram a trabalhar à noite na cozinha emprestada de uma ONG, que atendia crianças e adolescentes durante o dia. Depois, veio o grupo da marcenaria. Esta mesma ONG tinha uma oficina de marcenaria, que foi desativada porque a legislação passou a considerar o trabalho em marcenaria impróprio para menores. Um grupo de 10 jovens, maiores de 18 anos que tinha passado pela marcenaria, resolveu assumir as atividades no local.
Eles criaram um jogo da velha de madeira e conseguiram uma encomenda de 400 jogos de uma grande empresa. Para comprar material, pegaram empréstimo com as mulheres da moda, pagaram, e, em um mês de trabalho, ganharam mais do que as mulheres tinham obtido o ano todo. Outro produto desenvolvido pelos meninos foi o porta-panetone de madeira no final do ano.
Agência Brasil / Enviada especial Luciana Lima
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