Considerações sobre o “subdesenvolvimento” brasileiro
Por que é tão recorrente a discussão acerca de questões que colocam a economia brasileira com características de país subdesenvolvido? Existem alguns aspectos que marcam a sociedade brasileira: a concentração de renda, o colonialismo cultural, as grandes disparidades regionais – no que se refere à geração de emprego, renda e salários – e ausência de uma educação libertadora. Tais condições estão presentes no Brasil já faz alguns séculos.
Entre os vários intelectuais que trataram de estudar os problemas econômicos e sociais do Brasil merece destaque, ultrapassando as fronteiras da América Latina, o economista Celso Furtado (1920-2004), um brilhante pensador e expoente da corrente estruturalista que dedicou sua trajetória no estudo da gênese da economia brasileira. O pensamento furtadiano continua moderno, mesmo tendo se passado meio século desde suas primeiras obras. No centro de suas discussões sempre protagonizaram as raízes e impactos do subdesenvolvimento, temas que continuam contemporâneos, pois os problemas de cunho estrutural abordados por Furtado, ainda são visíveis na realidade econômica e social do País.
A teoria do subdesenvolvimento cuida do caso especial de processos sociais em que aumentos de produtividade e assimilação de novas técnicas não conduzem à homogeneização social, ainda que causem a elevação do nível de vida médio da população. Essa teoria tem como ponto de partida a visão de Prebisch do capitalismo como um sistema que comporta uma ruptura estrutural, sistema que ele chamou de Centro-Periferia. Prebisch atribuiu essa ruptura ao fato de que, em certas áreas, o progresso técnico penetrou lentamente concentrando-se nas atividades que produziam matérias-primas destinadas à exportação. Ele não aprofundou o estudo dessa hipótese, mas as ideias que semeou alimentaram a pesquisa na América Latina no curso de minha geração (FURTADO, 1992, p. 7).
O Brasil, nação de mais 500 anos, apresenta indicadores sociais preocupantes. Sua taxa de analfabetismo das pessoas a partir de 10 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi de 9,1% em 2007. Uma taxa considerada alta e que não reflete a realidade sob o prisma da capacidade interpretativa da maioria dos leitores, visto que há um percentual que supera a referida taxa de brasileiros que são analfabetos funcionais – pessoas que não sabem interpretar ou compreender um simples texto ou sequer tem a percepção da realidade que o cerca, e não conseguem, assim, fazer uma leitura crítica da política nacional.
Em 1979, o coeficiente de Gini, que mede o grau de desigualdade na distribuição da renda domiciliar per capita entre os indivíduos era de 0,623, em 2009 registrou 0,543 e, embora o índice tenha reduzido, ainda é considerado alto. Passados os últimos 30 anos será que a economia brasileira se desenvolveu a contento? O conceito de desenvolvimento econômico é amplo e engloba também a distribuição de renda para o conjunto da sociedade.
Uma pessoa pobre não pode reproduzir o padrão de consumo de uma pessoa rica. De que modo uma sociedade como a brasileira, com uma renda per capita hoje mais ou menos dez vezes inferior à renda per capita das economias centrais, poderá generalizar para o conjunto da sua população o mesmo padrão e o mesmo estilo de vida dos países do centro? Isso não é possível, porque é um problema material, concreto, de escassez econômica. Nós não temos um desenvolvimento das forças produtivas capaz de permitir esse padrão de consumo para o conjunto da nossa população (SAMPAIO JUNIOR, 2004, p. 120).
De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), mais de 13 milhões de brasileiros em 2009 formaram o número de pessoas extremamente pobres, o que representa mais do que a população de São Paulo. O que essas pessoas que sobrevivem com menos de US$ 2 por dia poderiam fazer se, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o salário mínimo necessário para satisfazer as necessidades básicas é superior à cifra de R$ 2.000,00? Então, nos perguntamos o que há de errado no Capítulo II, dos direitos sociais da Constituição Federal de 1988, que afirma:
“Art. 7º – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.”
Por que se torna uma contradição a realidade brasileira e a Constituição Federal? Todos os direitos acima citados são atendidos com o salário mínimo vigente? Tal problemática evidencia que as forças do mercado no Brasil precisam evoluir para um patamar de remuneração pela força do trabalho capaz de satisfazer as premissas da economia, visto que o salário representa o preço da mão de obra no mercado de trabalho. Ou seja, os salários que os trabalhadores auferem devem garantir-lhes o poder de consumir produtos essenciais, pois só dessa forma os desequilíbrios no sistema econômico serão minimizados.
A estabilidade econômica alcançada com o Plano Real, a solidez do sistema financeiro e a capacidade que o país demonstrou ao enfrentar a crise financeira mundial de 2008, permite perceber que ao mesmo tempo em que o Brasil possui indicadores econômicos positivos em alguns segmentos, de outro modo, se depara com um grande desafio a ser superado a longo prazo: melhorar os indicadores sociais para tornar-se de fato uma economia desenvolvida em seu conjunto.
Dentro desse contexto, a interpretação que se faz do desenvolvimento da economia brasileira é que não houve a ruptura com o subdesenvolvimento em certos aspectos, houve apenas certa modernização ao invés de desenvolvimento, porque na verdade o atual modelo econômico ainda não é capaz de romper com alguns laços coloniais.
Referências
FURTADO, Celso. O subdesenvolvimento revisitado. Economia e Sociedade, v. 1, ago. 1992. P. 5-19.
SAMPAIO JUNIOR, P. S. A.. Desconstruindo o Velho Modelo. In: Ramalho, J.P. e Arrochellas, M.H.. (Org.). Desenvolvimento, Subsistência e Trabalho Informal no Brasil.: Ed. Cortez, 2004.
Constituição Federal. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.
*Danillo Teles de Britto Bispo é economista baiano formado pela Universidade Estadual de Santa Cruz.
Comentários
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Jandir Feitosa Jr
22/05/2012 - 01:24:53
Carlos Henrique
30/08/2011 - 16:10:54