Artigo Ricardo Amorim
Queremos melhores transporte, saúde e educação, e de graça. Resumindo, “me engana, que eu gosto”. Foto: Agência Brasil.

Não resistiu em conhecer a solução mágica, hein? Está aberta oficialmente a temporada de promessas demagógicas. Cada um dos milhares de candidatos a um cargo eletivo no país tem as soluções para transformar o Brasil no melhor país do mundo em todas as áreas da vida, da economia à educação; da saúde à infraestrutura; do transporte ao lazer. O melhor, alcançaremos tudo isso, em apenas quatro anos, e sem abrir mão de absolutamente nada.

Seria fácil culparmos apenas as eleições pelo tsunami demagógico que assola o país. A democracia, inegavelmente o melhor sistema político inventado até hoje, é cheia de defeitos. Um deles é o incentivo à demagogia a cada ciclo eleitoral. Mentirosos demagogos são eleitos; quem diz a verdade sobre os custos para alcançarmos objetivos maiores, não. Simples assim.

Infelizmente, temo que a raiz da inundação de mentiras é mais profunda. O problema somos nós. Queremos tudo, queremos já e queremos de graça. Em resumo, queremos ser enganados.

Esta postura dos eleitores não é nova, nem exclusividade brasileira. Em maior ou menor grau, ela existe e sempre existiu em todos os países. No entanto, as manifestações de rua parecem tê-la exacerbado. Queremos melhores transporte, saúde e educação, e de graça. Resumindo, “me engana, que eu gosto.”

A resposta dos políticos? 10% do PIB para a saúde, 10% do PIB para a educação, 10% do PIB para sei lá eu mais o que. Óbvio que saúde e educação estão entre os fins mais nobres possíveis para recursos públicos, mas será que o problema é, primordialmente, falta de recursos ou de gestão? De onde virá o dinheiro? Magicamente, os políticos nos asseguram que teremos tudo e não pagaremos nada.

Fontes de recursos? Por exemplo, a eterna proposta de renegociar a dívida pública. Se ela resolvesse algo, a Argentina não seria um dos 3 únicos países nas Américas onde o PIB terá desempenho pior do que o Brasil neste ano, segundo as projeções da Cepal.

As pesquisas eleitorais e a voz das ruas provam que o Brasil quer mudar. Se queremos mudanças construtivas, primeiro temos de reformular nossas próprias expectativas. Chega de falsas soluções. É hora de discutirmos os custos de cada política pública e não apenas seus supostos benefícios. Cotas garantem o acesso de determinados grupos à universidade,  mas reduzem o acesso dos demais. Meias entradas barateiam o acesso a espetáculo para alguns, mas às custas de encarecê-los para os outros. Tarifas de importações altas protegem subsetores de nossa indústria, mas reduzem a competitividade de subsetores industriais supridos pelos protegidos e tornam os produtos no Brasil os mais caros do mundo. Queremos, mesmo, adotar estas medidas?

O crescimento vertiginoso da candidatura de Marina da Silva e suas promessas conciliatórias sugerem que o povo está farto da polarização paralisante que dominou o país nos últimos anos. Chega de ricos x pobres. Chega de nós x eles. Chega de um nacionalismo ufanista, onde nada no Brasil pode ser criticado – e, por consequência, nada é melhorado. Não há complexo de vira-latas maior do que achar que o país não resiste a nenhuma crítica. Chega também de uma desesperança debilitante que teme que nada tenha solução no Brasil e onde nada pode ser elogiado. Tomara que o Brasil do “ame-o ou deixe-o” esteja morrendo, mas que ele não seja apenas substituído por um país de novos sonhos demagógicos, e sim por escolhas e ações conscientes para construirmos o país que queremos e podemos ser, não em um ano, sequer em um mandato presidencial, mas quiçá em uma geração.

*Este artigo foi publicado originalmente na revista IstoÉ.

 ** Ricardo Amorim é economista, apresentador do programa Manhattan Connection da Globo News, colunista da revista IstoÉ e presidente da Ricam Consultoria Empresarial.

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