Cifras milionárias e investimento intenso em marketing aquecem as baladas de música eletrônica em SC
Ali, pertinho do meu lugar dentro do Cafe de la Musique, em Jurerê Internacional, balneário norte de Florianópolis (SC), passam quatro garçonetes atravessando a pista de dança e segurando quatro garrafas de champanhe em caixas translúcidas e iluminadas nas bordas por leds, reluzentes, sem dúvida chamando a atenção. Homens seguram seus iPhones e registram o momento com muitos cliques (que certamente vão para as redes sociais, como o Instagram e Facebook). Ao todo, milhares de R$ também desfilam ali e foram injetados na economia, afinal, um combo daqueles não sai por menos de R$ 2 mil. E são muitos ao longo da noite, já que a festa estava apenas começando, pois no meu relógio marcavam 19h quando o primeiro desfile passou por mim. Com isso, registro o início de uma das noites do famoso e badalado Winter Play, evento já eleito pelo público da premiação Cool Awards como a Melhor Festa do Brasil e que ocorreu no inverno, em Florianópolis, capital de SC.
Essa, uma das cinco festas programadas do festival, mostrou que os organizadores acertaram ao apostar e investir na região, ao unir em um balneário badalado muita gente bonita, música eletrônica, atendimento VIP e muito, muito glamour. No Winter Play, realizado em junho, foram investidos cerca de R$ 2 milhões na sua produção. A estimativa é de que 5 mil pessoas participaram do evento e, desse total, 1,5 mil pessoas estavam hospedadas em hotéis e pousadas na região de Jurerê, sem contar as casas alugadas e demais unidades locadas no centro da cidade.
O faturamento anual do grupo ALL, organizador do evento e que ainda controla outras casas como Posh, Pacha e Second Floor é de R$ 15 milhões. E não deve diminuir com o tempo, sem dúvida. O setor está em ascensão, potencializado pelos investimentos na região norte de Florianópolis, com a ampla visibilidade que Jurerê ganha mundialmente. Reunidas, as empresas geram mais de 1.000 empregos diretos e indiretos, movimentando ainda mais a economia. Isso, certamente, sem contar o efeito em cascata que o ramo de serviços recebe, como o retorno na rede hoteleira local. Nos dias de evento, a equipe de apoio direto é de cerca de 400 pessoas e, indiretamente, mais umas 500.
Visão do futuro: o luxo na balada
Todo esse reconhecimento é o resultado de um investimento de longo prazo, já que o grupo está em atividade desde dezembro de 2003. A partir de um investimento inicial de R$ 500 mil, o grupo viu seu negócio tomar uma ampla perspectiva. “Florianópolis é a nossa casa. Entendemos que vivemos hoje em um dos grandes polos de entretenimento mundial, com potencial para ser o principal destino turístico de luxo do hemisfério Sul. Além dos turistas, entendemos que a cidade está crescendo e o “mercado interno” da Grande Florianópolis já passou a ser relevante, também para atrair oportunidades de negócios”, reforça o diretor executivo do Grupo ALL, Doreni Caramori Junior.
A filial do clube espanhol Pacha, por exemplo, vai muito bem em Florianópolis, ainda que no Brasil isso não seja uma unanimidade. Segundo o diretor, “todos na Pacha Ibiza compraram bem a ideia de abrir aqui (e manter) uma das franquias desta que é a maior marca de clubs do mundo. Ainda temos muito o que crescer mas estamos todos apostando”. Mas quais foram os atrativos iniciais? “A cidade de Florianópolis, o balneário de Jurerê Internacional, a nossa relação com o público-alvo e os atributos da marca Pacha”, resume o executivo.
Incentivo regional x incentivo privado
Agora, e a cidade de Florianópolis comprou a ideia? Ou melhor, participou do projeto? Segundo os empresários, oficialmente, não houve nenhuma movimentação da cidade/estado para apoiar ou influenciar maiores focos econômicos para o setor. Todos sabem que essas casas e restaurantes são investimentos privados, mas geram emprego e dependem de outros itens como segurança e transporte para perpetuar um ciclo de sucesso. Excetuando-se a boa receptividade que tiveram do público, os investidores não tiveram nenhum outro atrativo local para a escolha da cidade como polo de festas ou eventos de tal porte. Certamente que isso não deixou ninguém parado. E não deveria, já que seria um bônus para o setor. Porém, pela proximidade e por abrigar muitas casas noturnas famosas, Balneário Camboriú sai na frente e, por exemplo, possui no seu Plano Diretor (Artigo 12 – parágrafo VI) um item prevendo justamente o fomento ao setor.
E, não foram somente os empresários de festas que perceberam o movimento, o que para muitos já não é novidade e faz parte de um ciclo. Para a diretora executiva do Florianópolis e Região Convention & Visitors Bureau (FC&VB), Juliana Castanho, Florianópolis já é um destino reconhecido no mercado nacional e internacional como cidade hospitaleira, com belezas naturais bem peculiares e, agora, também por ter se transformado em meca de festas de música eletrônica. “A cidade já viveu vários momentos. Teve o turismo do surf, nas décadas de 1980 e 1990, por exemplo, que também atraía muita gente e, em função disso, a realização de muitos shows. O público jovem é o que movimenta esse setor. Hoje, esse mesmo público tem um poder aquisitivo maior, mais informação, viaja, conhece o que tem lá fora e exige o mesmo padrão aqui”, lembra Castanho.
Para o FC&VB, as marcas fortaleceram a posição da cidade como referência, enquanto que para os empresários do setor também é interessante manter as marcas num destino reconhecido. Segundo a diretora da entidade, criou-se uma aura elitizada dessas programações que fazem com que esse produto seja absolutamente desejado — como um produto de luxo. “Os hotéis registram grande ocupação, bares e restaurantes se preparam para comercializar seus produtos mais nobres, o aeroporto registra a chegada de muitos voos particulares — jatinhos que trazem os visitantes especialmente para estes eventos. O público, normalmente, tem um poder aquisitivo altíssimo e cobra por serviços de qualidade. Como resposta, garantem um ticket médio superior à maioria dos eventos, já que são consumidores em potencial de produtos e serviços mais requintados”, explica.
Sazonalidade ainda gera dificuldades localmente
Que o movimento de festas de música é positivo, assim como a manutenção das casas de grande porte, empresários e entidades concordam. O presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de Santa Catarina (Abrasel/SC), Fábio Queiroz, ainda destaca que a grande maioria dos eventos que ocorrem divulgam muito a cidade de forma espontânea para fora do estado e no exterior, além de toda mídia que esse setor investe, com o adicional de que unir praia e eventos se mostra como uma excelente opção, garantindo a viagem até mesmo em caso de mau tempo. Segundo o dirigente, na sua maioria, a maior dificuldade, assim como em vários setores, é a mão de obra qualificada e disponível. “Existem vários cursos disponíveis para qualificação. Se for trabalhada a diminuição da sazonalidade, teremos uma ajuda significativa para diminuir a rotatividade de mão de obra, destaca o executivo. E, isso sim, é um problema que aumenta com a exigência do público que não abre mão do atendimento exclusivo em todos os sentidos, do traslado ao hotel até no idioma falado pelos garçons.
Marketing agressivo e infiltrado: posicionamento, branding e exclusividade
Um item que chama a atenção em qualquer balada, principalmente no Winter Play, foi o posicionamento agressivo das marcas buscando aderir um produto ao lifestyle dos participantes do evento: jovens, com muito dinheiro, bem-sucedidos ou herdeiros, artistas, celebridades, políticos e atletas.
Na festa do Cafe de la Musique, por exemplo, modelos distribuíram rosas brancas com mensagens românticas em francês, que no verso divulgavam a famosa Perrier-Jouët (aquela das caixas de led). Há algum tempo percebe-se a entrada de novos formatos de mídia nas baladas, incluindo um intenso product placement de marcas de carros, óculos, roupas e até tecnologia. Mas, claro, nenhum vai superar o boca a boca e o status de quem quer mostrar que não basta consumir, precisa exibir. Se no sunset do Cafe de la Musique foi possível ver algumas garrafas, na festa principal, no Devassa On Stage, contei desfiles de pelo menos oito garrafas, todas enviadas pelo filho de um empresário nacionalmente reconhecido com muito dinheiro para investir em uma noitada.
Para o gerente do grupo de bebidas Premium da Pernod Ricard Brasil, Rafael Souza – que na Winter Play investiu pesado na divulgação das Absolut Elyx e o refinado champagne Perrier-Jouët (aquele das caixas iluminadas) – as marcas buscam estreitar o relacionamento. Aliás, ainda que a marca não divulgue, o investimento realmente contou com muitas cifras no evento, já que suas bebidas foram as únicas comercializadas nos cardápios oficiais (vodka Absolut, whisky Chivas, tequila Olmeca e espumantes e champagnes Perrier-Jouët), além de adesivar e estampar ambientes das casas noturnas.
“No caso da música eletrônica, visualiza-se uma grande oportunidade de relacionamento com o público jovem que frequenta festas como o Winter Play. Porque é um público diversificado, ligado nas tendências globais e conectado, sempre compartilhando informações com amigos e conhecidos. Queremos participar disso, ser parte dessas lembranças remetendo sempre a algo bom”, destaca Souza. A Absolut, por exemplo, é detentora de 72% de share do mercado de vodka importada no Brasil e segue expandindo o território.
Seguindo a linha indicada pela Pernod Ricard Brasil, as empresas que participam e dependem do consumo frequente de destilados e demais bebidas comerciais, observam o crescimento dos eventos e investem pesado na associação das marcas premium com eventos de alto nível, trabalhando branding e demais itens de posicionamento de marketing. Marcas como Heineken, Mastercard, Don Perignon, Gilette, Absolut, Marlboro, Red Bull, não deixam de participar dos eventos seletos na região, unindo música eletrônica e jovens. No Winter Play e em outras grandes festas, justamente um importante player é a Heineken, a maior cervejaria da Europa, segunda do mundo em rentabilidade e a terceira em volume.
Para a diretora de marcas premium da Heineken, Daniela Cachich, uma das plataformas de ativação da Heineken é a musical, e eventos como Lollapalooza e Rock in Rio firmam esta posição. O Winter Play é o evento de música eletrônica mais badalado do inverno brasileiro, e, segundo a executiva, a Heineken não poderia estar de fora desse grande festival. Por buscar manter a universalidade da marca entre os jovens adultos da atualidade, que transitam entre muitos estilos e gêneros musicais, os eventos relacionados a todos os estilos musicais são considerados boas oportunidades para a marca interagir com seus consumidores. Principalmente os grandes festivais, que reúnem em um mesmo palco atrações de diversas nacionalidades, auxiliando a reforçar o conceito de internacionalidade da Heineken, além de proporcionar experiências diferenciadas com a marca por meio das ativações que reforçam o seu conceito de inovação.
A Heineken apoia mais de 100 festivais de música em todo mundo. Embora o mercado de cerveja premium no Brasil ainda seja pequeno, é o segmento que mais cresce, inclusive a representatividade desse segmento em casas noturnas e eventos de músicas também cresce. “São canais muito importantes para a construção de marca. O crescimento da Heineken neste segmento no último ano foi de 47% em volume, considerando o mercado atual”, constata a executiva.
Faturamento x patrocínio x merchandising
Sem divulgar números absolutos, um dos sócios do Grupo ALL e idealizador do Winter Play, André Sada, destaca que cerca de 30% do faturamento de um evento como este é proveniente da venda de alimentos e bebidas.
Para diretor executivo do Grupo, Doreni Caramori Junior, a empresa tenta trabalhar muito direcionada na relação da experiência do entretenimento com os atributos das marcas. “Isso é, sem dúvida, uma de nossas principais vocações. É por esse motivo que hoje nossas casas são referência em merchandising das principais marcas que investem em entretenimento. Sem dúvida, agrega valor à experiência e recursos para viabilizar as operações.”
Além disso, segundo Caramori, até 35% do faturamento de uma festa como a Winter Play também advém de todas as empresas patrocinadoras. Os benefícios? As marcas acabam assimilando a identidade da casa e buscam a conexão com os clientes de forma indireta, ainda que sejam bem invasivas. “Os benefícios são diversos, como mídia, branding, marketing de relacionamento, posicionamento, estímulo ao consumo/uso de produtos, entre outros”.
Pista cheia e venda de entradas não significa lucratividade
Avaliando os dados, certamente quando pensamos em um grande show de música eletrônica a receita não é garantida pela bilheteria. Acompanhamos pelos últimos dois anos, pelo menos, a vinda de todos os importantes DJs do cenário mundial para Santa Catarina. E muitos passaram pelas festas e casas do grupo. Nomes estelares como Armin Van Burren, Hardwell, Afrojack, Steve Aoki, Swedish House Mafia, Carl Cox estamparam anúncios em todos as mídias no Estado. Segundo Caramori, o valor do retorno depende muito da festa e do local.
“Existem produtos cujo posicionamento é fruto de forte investimento em ativos musicais, já em outros focamos mais no local, na experiência ou em outros atributos. No primeiro caso o DJ faz toda a diferença no resultado, nos demais, menos. O Carnaval do Music Park é determinado por grandes nomes, já a Posh demanda poucos nomes importantes para ser o sucesso que é”, explica Caramori. Para o executivo, claro, todas as receitas são importantes e devem ser combinadas para garantir a lucratividade. “Em alguns casos o principal gerador de custo é a atração, em outros o investimento precisa ser direcionado a outros atributos. O que é claro, definitivamente, é que não há como viabilizar um projeto de sucesso apenas com a bilheteria”, destaca.
Sobre a montagem e escolha dos DJs, Sada destaca que os organizadores avaliam o conceito do evento, a estratégia para a edição e o orçamento. “Alinhamos isso com as ofertas de nomes (inverno no Brasil é verão Europeu e muitos nomes não saem de lá). O Winter Play é um daqueles eventos que não dependem exclusivamente de DJ, mas ainda assim queremos entregar a melhor relação custo benefício para nossos clientes”.
Hoje, no Grupo ALL, as principais fontes de receita são patrocínio, locações corporativas, vendas de entradas e camarotes, venda de alimentos e bebidas. E, se aprenderam a fazer render no inverno, é no verão que a casa lota e garante sua posição como destino dos jet setters.
Enfim, enquanto a noite de Florianópolis alcança destaque e segue firme na vitrine, vale lembrar que Santa Catarina já possui outras regiões que possuem a música eletrônica vibrante e também disputam o posto de top, com foco em qualidade, altos investimentos e sofisticação. Se Florianópolis busca um lugar junto ao jet setters, Balneário Camboriú está um passo adiante e segue aquecida com a entrada no último ano da franquia nacional da Space, balada da ilha de Ibiza. Além disso, a região norte do Estado sedia a Green Valley, club brasileiro eleito o melhor do mundo, sendo a primeira casa sem tradição de bandeiras europeias que é reconhecida como excelente pelo exigente mercado da música eletrônica. A estrutura e o público do Green Valley foram ovacionados pela DJ Mag, a bíblia do e-music. Eventos como o Winter Play e demais somente mostram que o potencial de mercado para o setor é elevado em SC, porém o público exigente demanda ainda mais eventos, qualidade no atendimento e a busca constante pela excelência corporativa.
Henrique Puccini
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