São muitas as escolas interessadas em oferecer educação financeira aos alunos. Não é modismo. É uma necessidade. Elas precisam e estão cada vez mais se preocupando com temas de cidadania. Consumo consciente, responsabilidade socioambiental, educação alimentar, educação sexual, empreendedorismo, respeito à diversidade e ao meio ambiente são alguns desses temas que as entidades de ensino estão praticamente obrigadas a oferecer. Os pais cobram. Os alunos precisam. A concorrência oferece. Os professores sentem a necessidade.

O mesmo ocorre com a educação financeira.

É um movimento mundial. Em dezembro de 2009, por exemplo, reuniram-se no Rio de Janeiro representantes de mais de 40 países para trocar experiências e apresentar programas e projetos dos mais diversos formatos. Tive a oportunidade de participar. Foi uma experiência riquíssima.

O Brasil não ficou para trás. Foi apresentado o projeto da ENEF – Estratégia Nacional de Educação Financeira, que envolve diversos segmentos da sociedade. Os trabalhos são liderados pelos reguladores do sistema financeiro, em conjunto com o MEC, e nosso programa foi bastante elogiado. O principal motivo é o amplo envolvimento da sociedade. Governo, instituições financeiras, ONGs, escolas, segmento privado, especialistas multidisciplinares, crianças, famílias, entidades de classe. Sem contar na diversidade regional representada nas pesquisas, amostras e levantamentos de necessidades.

Torço para que o programa brasileiro seja um sucesso. Todos ganharão com isso. Numa sociedade mais próspera haverá mais oportunidades para todos.

Mas há também um trabalho paralelo, feito pelas escolas particulares. Já são muitas. Não há dados consolidados disponíveis. Arrisco-me a dizer que passam de mil. De Norte a Sul do Brasil. Tiro uma amostra por meus livros. Em 2010, dobrou o número de escolas que os adotaram em relação a 2009. A previsão para 2011 é mais do que quadruplicar. A demanda é enorme.

Há escolas que desenvolvem trabalhos há anos. Atendi uma, em São Paulo, que há mais de 20 anos ensina educação financeira às crianças. Começaram quando esse termo nem existia. Muitas já colhem frutos, já aperfeiçoaram os modelos, estão em novas etapas. Mas a grande maioria ainda não começou. Muitas estão querendo iniciar, mas não sabem por onde. Uma das principais dúvidas é: criar uma disciplina ou fazer o ensino transversal? A maioria de consultas que recebo vem de professores de matemática. Alguns se surpreendem quando esclareço que educação financeira é mais ampla do que ensinar a fazer contas com o dinheiro.

Fazer contas, calcular juros, projetar resultados é apenas um grão de areia nesse universo. É preciso focar nas questões comportamentais. Não é a toa que boa parte dos educadores financeiros tem formação ou busca apoio e parcerias na Psicologia.  Melhorar as posturas e atitudes em relação ao dinheiro dá melhores resultados do que aprender a calcular juros compostos.

O dilema é grande. Escolher o caminho errado pode resultar em menor aceitação. Disciplina isolada ou ensino transversal? As aulas de Matemática seriam o melhor caminho? Aprendi ao longo da vida que a pior decisão é a não decisão. Qualquer escola que ficar de fora ou retardar a inclusão da educação financeira no currículo escolar pode gerar reflexos diretos na vida das crianças. E o futuro delas pode cobrar essa conta.

O MEC optou pelo ensino transversal para as escolas públicas. Começou este mês um projeto piloto em cinco estados (CE, DF, RJ, SP e TO). Inicialmente no ensino médio.

Sou partidário da inclusão da educação financeira por meio do ensino transversal, embora, em alguns casos, de escolas com mais recursos, o ensino específico possa propiciar resultados melhores. Mas isso é exceção. E deveria começar pelo menos no ensino fundamental. Se possível, no infantil.

Com o ensino transversal podem ser colhidos benefícios como adoção imediata e gradual, baixo investimento, capacitação desconcentrada, melhor consolidação, abordagens constantes, diversificadas e complementares. Os pais não precisam gastar mais e podem colher benefícios diretos e indiretos. A família toda aprende e muda de hábitos. A carga horária não precisa ser ampliada. Disciplinas por vezes pouco interessantes ganham um aliado na atratividade: o dinheiro. É… até as crianças gostam de dinheiro. Então despertam para algumas matérias às vezes consideradas chatas.

Mas, como assim, ensino transversal? Adoção imediata? Baixo investimento?

Vejamos exemplos de como introduzir a educação financeira de maneira transversal no ensino fundamental:

Tópicos e fundamentos de educação financeira podem ser abordados em diferentes disciplinas, associadas a itens do programa tradicional. Obviamente que o ideal seria fazer todo um preparo antes, mas nem sempre o ideal é o melhor caminho. O simples fato de as escolas incluírem livros paradidáticos ou literários sobre o assunto já pode criar um ambiente mais receptivo para os próximos passos.

Rapidinho. De um dia para outro. Ao lerem clássicos como a formiga e a cigarra, por exemplo, as crianças são levadas automaticamente a refletir sobre prevenção, poupança, falta de controle, imediatismo. E pais e professores podem aproveitar esse gancho para explorar ainda mais outros importantes princípios de educação financeira.

Essa é uma boa alternativa para escolas que ainda não se prepararam. Podem adotar e incluir literatura relacionada para que o assunto educação financeira entre na rotina da escola, enquanto pesquisam, observam, discutem, fazem benchmarking e escolhem os modelos a serem seguidos.

– Programas de estimulo à leitura – existem em praticamente todas as escolas do ensino fundamental. Sem mudar nada, simplesmente incluindo títulos como A formiga e a cigarra, A galinha dos ovos de ouro, O pé de meia mágico, Quero ser rico, Zequinha e a porquinha Poupança, Versinhos de prosperidade e outros, temas ligados à educação financeira como estímulo a poupança, consumo responsável, ganância, planejamento e investimentos são naturalmente abordados. Pais e professores podem aproveitar essas oportunidades.

– Aulas de língua portuguesa – ditados, conjugação verbal, ortografia, vocabulário, regras gramaticais podem utilizar verbos e palavras como poupar, economizar, investir, semear, prosperidade, solidariedade, planejamento e outras.  Sem mudar nada na rotina das escolas. Com o mesmo tempo e recursos as crianças aprendem o dobro. E que pode valer muito mais ao longo de suas vidas.

E professores de diferentes disciplinas podem se envolver também, conforme sugestões a seguir:

– Aulas de arte e trabalhos manuais – Além de fazer pipas, bonecas e carrinhos, as crianças podem fazer, pintar ou decorar cofrinhos, bauzinhos, pés de meia. Daí podem cultivar o hábito de juntar moedinhas.

– História – Cada momento histórico possui relação direta com o momento econômico da humanidade. Temas como a história do dinheiro, escambo, novas tecnologias e evolução dos meios de pagamento podem ser exploradas pelos professores.

– Geografia – A produção e as riquezas de cada região são assuntos que podem chamar a atenção da criançada. Conhecer o dinheiro de cada país, conceitos de troca e câmbio, preços e outros fatores de produção ajudam as crianças a perceber a dinâmica da economia. Petróleo, ouro, prata, recursos minerais, produção agrícola e industrial geralmente fascinam os pequenos.

– Química – A composição dos metais preciosos pode despertar mais interesse do que o de rochas sem graça e sem valor, assim como a indústria de transformação, pesquisas, experiências.

Matemática – Sim, as aulas desta disciplina não são as únicas nas quais pode ser ensinada a educação financeira, mas são de muita importância. Imagine uma criança exercitando a tabuada com a própria mesada, contar moedas ao invés de laranjas, calculando troco do sorvete, somando o valor das compras na banca de revistas, montando o orçamento pessoal. O ensino da Matemática pode ficar mais divertido. Elas se interessam mais. E aprendem mais. Sobre as duas coisas.

E os professores? É preciso distribuir a “carga” e as oportunidades entre vários professores. Isso aumenta as chances de sucesso. O trabalho não fica concentrado nas mãos de poucas pessoas. Poderá haver troca de experiências. Cada professor poderá explorar os aspectos com os quais se sente mais seguro, tendo como suporte a sua própria disciplina. As crianças receberão orientações de diferentes pontos de vista. A educação financeira transversal aproveita a sinergia de todos.

Por todas essas facilidades e benefícios, a educação financeira, quando incluída de maneira transversal, representa um excelente instrumento de integração e motivação para alunos e professores.  Assim como o uso do dinheiro será transversal na vida adulta. Lazer, alimentação, saúde, segurança, moradia. A todo instante precisaremos tomar decisões financeiras. É bom que as crianças aprendam cedo, com naturalidade e percepção sobre a importância do dinheiro em nossas vidas.

O papel da escola cada vez mais é preparar as crianças para serem verdadeiros cidadãos e faz parte dessa missão ensiná-las a usar adequadamente o dinheiro. A educação financeira chegou para ficar e, assim como nas finanças, o fator tempo é preponderante. Quanto mais cedo, menores os sacrifícios e maiores os resultados. Ensino transversal ou disciplina exclusiva é uma opção a ser feita, mas incluir educação financeira no currículo já passou dessa fase. É necessário e deve ser feito de imediato!

* Álvaro Modernell é especialista em educação financeira, palestrante, autor de vários livros, projetos, cartilhas e artigos sobre educação financeira, além de sócio fundador da Mais Ativos Educação Financeira e coordenador do portal www.edufinanceira.com.br, referência nacional na área.

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