Adam Smith Tupiniquim
José da Silva Lisboa, nosso Visconde de Cairu foi, talvez, o maior malabarista do pensamento econômico brasileiro. Caíra nas graças de D. João VI quando este, em 1808, instalou a sede do império português no Brasil e, como a maioria dos intelectuais brasileiros, era funcionário público.
No século XIX, o Brasil mantinha estreita relação comercial com a Inglaterra e, na condição de colônia portuguêsa, esta relação com o poderoso país dava-se na âmbito da dependência. Cairuera de opinião que para melhor lidar com os ingleses, os brasileiros precisavam conhecer muito mais sobre o comércio e o pensamento econômico reinante na Europa. Este pensamento fixava suas raízes na obra de Adam Smith, A Riqueza das Nações, bíblia do liberalismo e publicada em 1776.
Foi Jorge Caldeira quem em sua excelente obra biográfica sobre Irineu Evangelista de Souza – Mauá , O Empresário do Império (1995) – melhor analisou e expôs as contradições contidas nos Princípios de Economia Política, folheto através do qual Cairu pretendia divulgar as idéias smithianas no Brasil, país em que o o ócio agradava a Deus e o trabalho era coisa para escravo e, portanto malvisto pelas elites.
Diz Caldeira: “começou por substituir o mercado por um outro princípio regulador, o velho e bom paternalismo da Coroa. O primeiro princípio da economia é que o soberano de cada nação deve considerar-se como o chefe ou o cabeça de uma vasta família, e conseqüentemente amparar todos os que nela estão como seus filhos e cooperadores da geral felicidade. Torto o princípio, torto o caminho” (p. 118).
Em outra passagem no lugar da riqueza pelo trabalho, maior valor da ideologia da burguesia da época, Cairu atribuiu a Smith o elogio de outros valores maiores e dignos de um senhor. Na nova escala – prossegue Caldeira – o trabalho vinha por último na construção da riqueza: “Inteligência , Indústria e Trabalho são as causas da riqueza das nações (…)”.
E por aí foi nosso liberal às avessas, até chegar a uma fórmula de progresso econômico que premiava os trabalhos intelectuais dos donos de escravos, deixando o trabalho mecânico para os nascidos nos patamares rasteiros da sociedade. Não por acaso, o Brasil foi e continua sendo, de certa forma, o país dos bacharéis.
Raquel S.Thiago
Historiadora e Professora Titular da disciplina Formação Econômica do Brasil – Depto. Economia da Univille
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