A fatal sedução do crédito
Adriana Cristina Pereira*
Há vários anos, na busca pelo aquecimento da economia, o Estado e as instituições financeiras têm incentivado a concessão do crédito aos consumidores de todas as classes econômicas. Estes, ávidos por ingressar no mercado de consumo, foram seduzidos pela oferta de empréstimos, cartões de crédito e cheques especiais, o que fez com que o endividamento das famílias crescesse paulatinamente e aumentasse a taxa de inadimplência.
Considerando a gravidade do problema e suas consequências para a sociedade, é importante averiguar a responsabilidade das instituições financeiras quanto à inadimplência. Nesse sentido, realizei pesquisa com base em conteúdos doutrinários, jurídicos, econômicos e históricos. O estudo permite concluir algo alarmante: o crescimento da oferta abusiva do crédito, a falta de análise dos riscos por parte das instituições financeiras e do fornecimento da informação clara no tocante às cláusulas contratuais (juros, taxas e valor total do empréstimo) estimulam as pessoas a consumirem e se endividarem cada vez mais, asfixiando-se com dívidas impagáveis.
Para tornar a questão mais clara, é imprescindível compreender que fatores como o perfil do tomador, que se efetiva através das análises de risco, implicam diretamente nos percentuais a serem cobrados a título de juros. Muitas vezes, escuta-se falar que o consumidor é o único responsável pelo crédito que toma. No entanto, os bancos têm papel fundamental nessa relação, pois é seu dever informar os juros, taxas e sobre quanto, em percentual, isso compromete a renda mensal do tomador do empréstimo, bem como os riscos de sua inadimplência. Entretanto, não é o que ocorre, considerando que o contratante, invariavelmente, não é bem informado.
Muito embora o inciso V do artigo 6 do Código do Consumidor possibilite a negociação das cláusulas, isso pouco é factível, pois no momento da assinatura do empréstimo não há possibilidade de negociação das cláusulas, já que os contratos são padronizados. Para o consumidor conseguir o dinheiro, sua única opção é assinar o contrato como se apresenta.
Há que se ressaltar que o artigo 170 da Constituição Federal, muito embora estabeleça a importância do desenvolvimento econômico e do tecnológico, dispõe que estes devem efetivar-se com respeito ao trabalho humano, à livre iniciativa e à dignidade. Importante destacar que o princípio da boa fé é norteador de todas as relações e que para que o consumidor exerça de maneira plena e livre seu direito de escolha, isto é, de tomar o crédito, deve ter ciência de todas as informações, incluindo seus riscos. Assim, ganham força os direitos de cada cidadão e, dentre os princípios, o da boa-fé.
O crescimento da oferta agressiva e abusiva do crédito no mercado gerou não apenas uma doença de caráter financeiro nos consumidores, vez que não conseguem mais cumprir seus compromissos, mas também de ordem psíquica, já que, tomados de dívidas, os indivíduos não têm como adimplir com suas responsabilidades. Assistiu-se a uma compulsão consumista estimulada pelo governo e pelos próprios bancos. O crédito foi sugerido, massificado, popularizado e incutido em toda a sociedade. A necessidade de comprar foi o que “aqueceu” a economia e fez com que milhares de pessoas contraíssem dividas e, assim, tomassem mais empréstimos, ficando, ao final, à margem da sociedade, quando passaram a ter seu nome protestado.
Ocorre abuso de direito toda vez que uma das partes descumprir os deveres ligados ao contrato, como a obrigação de informar, a ética e a confiança, bem como quando o titular de direito, ao exercê-lo, exceder os limites impostos em razão do seu fim econômico, ou pela boa fé. Como consequência disso, emerge a responsabilidade civil. A avaliação do caso concreto, sob a luz da cláusula geral da boa-fé e da transparência, pelos aplicadores da lei, nunca foi tão necessária, a fim de que se respeite a dignidade da pessoa humana, nos moldes do disposto no artigo 170 da Constituição Federal.
Enfim, incorrem em responsabilidade as instituições financeiras que se propõem a explorar atividades consideradas de risco, mas muitas vezes deixam de cumprir os seus papéis e responsabilidades e fazem seus clientes acreditarem na segurança financeira dos empréstimos. Seduzidos pelo sonho de consumo contido nas promessas de crédito fácil, muitos brasileiros encontram-se em situação financeira crítica.
*Adriana Cristina Pereira é Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Comentários
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samara
31/05/2014 - 11:28:11