A Economia e a Teologia
“A economia é feita pelos homens e para os homens”
Karol Wojtyla (João Paulo II).
O teólogo e professor Jung Mo Sung, em “Teologia e Economia – Repensando a Teologia da Libertação e Utopias”, (**) no prefácio a terceira edição dessa obra, pontua que: “Tudo ou quase tudo gira em torno da economia e se justifica em termos econômicos. O valor da vida de uma pessoa é medida em termos de seu sucesso econômico, assim como, em muitas igrejas, o sucesso econômico também passou a ser critério para ‘medir’ as bênçãos recebidas pelos fiéis e pela própria igreja”.
Apenas por essa singela colocação, o professor Sung contextualiza, no âmbito geral, algo que tem passado despercebido pela maioria, quer seja de teólogos ou de economistas sociais: a relação que existe entre a Economia e a Teologia.
Tal relação ganha maior proeminência, em nosso entendimento, à medida que se pensa que tanto a Economia quanto a Teologia nasceram, de certo modo, para compreender e encontrar alternativas para as graves desigualdades sociais existentes no mundo.
Esse sentimento é reforçado por Gustavo Gutierrez – célebre teólogo peruano, autor do clássico “Teologia da Libertação – Perspectivas”, obra de 1971 -, quando atesta que “(…) a teologia, enquanto reflexão crítica cumpre uma função libertadora do homem”. Eis porque é necessário promover, ainda nas palavras de Gutierrez, “(…) a libertação econômica, social e política, e a libertação que leva à criação de um homem novo numa sociedade solidária”. (in Sung, p. 69).
Ora, tais pressupostos (libertação e criação de um homem novo, desprovido dos vícios inerentes a sistemas excludentes) embasam, ao menos, dois tipos alternativos e contemporâneos de se fazer e pensar a economia social. Esses dois tipos são a Economia Solidária (ES) e a Economia da Comunhão (EdC) – a partir de um de seus elementares pressupostos: a cooperação-partilha. Conquanto, não é o objetivo deste artigo esboçar análise sobre esses dois tipos de economia social.
Apenas convém reiterar que a partir da constatação desses tipos de economia, que envolve a prática da solidariedade, podemos ver respondida afirmativamente a tentativa de se promover sociedades mais justas e humanas. Para isso, é fundamental se pensar numa melhor relação entre Teologia e Economia, uma vez que ambas podem (e devem, contudo) ser usadas para a promoção da igualdade social e do resgate aos mais necessitados.
No entanto, é mister afirmar que a relação entre Teologia e ação econômica somente se tornará fecunda mediante o entendimento do seguinte: é preciso ter claro o estabelecimento, em definitivo, da necessidade dos homens se libertarem. As amarras impostas, tanto do lado teológico, quanto e, principalmente, do lado econômico, impedem, sobremaneira, o homem de prosperar. Essas amarras significam, grosso modo, dependência e submissão. Ninguém, estando submisso e/ou dependente a algo, a alguém e/ou a um sistema qualquer consegue evoluir.
É por isso que a necessidade de libertação está contida, por exemplo, nos pressupostos da Teologia da Libertação, a partir da opção que essa faz preferencialmente em torno de ver erradicado os males da pobreza. A necessidade de se promover a libertação do homem oprimido também está presente na ação econômica quando, por meio de políticas públicas estritamente econômicas e eficazmente sociais, tende a facilitar o caminho ao desenvolvimento; afinal, o desenvolvimento traz embutido consigo a promessa de libertar. Não por acaso, Amartya Sen, um dos economistas mais proeminentes da atualidade, pontua o “desenvolvimento como liberdade” (Development as Freedom).
No entanto, para que esse sentimento não alcance o malogro, a teoria econômica ainda deverá evoluir o bastante para ensinar os teóricos insensíveis e mecanicistas dessa ciência social a incorporar, como objetivo e fundamento principal da macroeconomia – a promoção da igualdade social.
Outro ponto não menos importante nessa necessária evolução da teoria econômica é derrubar o paradigma dominante que sugere que crescimento seja visto como sinônimo de progresso.
Como a estupidez anda de mãos dadas com a cegueira intelectual de alguns, ainda não há clareza suficiente para enxergar que crescimento econômico diz respeito apenas a dimensão quantitativa da produção econômica, ao passo que desenvolvimento permeia a idéia central de incorporar no mercado a massa marginalizada. No Brasil, essa massa de excluídos conta mais de 30 milhões de pessoas buscando igualdade social e melhor participação efetiva nos meandros que orientam a economia -, buscando, outrossim, melhorar a qualidade de vida, por meio de oportunidades sociais.
Cabe à Economia, nesse pormenor, criar um novo futuro para o homem. Disso provém a necessidade de estabelecer um humanismo econômico que promova, por sua vez, a conexão entre a Teologia – que defende a libertação do homem – com um sistema econômico includente que ponha esse homem livre dentro da atividade produtiva.
O homem, sendo ele o construtor de sua história, deve saber fazer uso das ciências – principalmente as sociais – para facilitar sua ascensão, tanto material, mas, principalmente, espiritual, embasada, de preferência, no nobre sentimento da cooperação. Disso decorre a necessária simbiose que aqui estamos defendendo, a exemplo do professor Sung, em obra citada, entre estreitar os laços da Teologia com os da Economia.
Para isso, urge construir algo mais: é preciso edificar um sistema econômico qualitativamente diferente do atual. Um sistema econômico que puxe o crescimento da economia e direcione suas benesses para consolidar a busca do que realmente importa: o desenvolvimento econômico. E que esse, uma vez alcançado, seja um desenvolvimento que não se limite a uma mera questão de ter algo mais, mas, de ser mais. De um desenvolvimento, por fim, que seja capaz de ser “o novo nome da paz”, para parafrasearmos o papa Paulo VI, em sua encíclica Populorum Progressio.
Quanto à Teologia, nessa mesma linha de contextualização, é importante frisar que essa se inscreve com força maior quando afirma, em definitivo, sua luta em defesa das comunidades carentes. Ao fazer isso, a Teologia não está fazendo outra coisa senão a prática de uma pura economia social, principalmente quando reitera a necessidade da comunhão e cooperação entre os mais necessitados.
Esse tipo de economia social praticado pela teologia humana e caritativa visa, unicamente, levantar do chão o homem ali derrubado pela miséria, sabendo ser esse uma vítima potencial das constantes e crescentes injustiças econômicas.
No que toca aos termos da Economia, é forçoso enaltecer ainda que somente alcançando-se o desenvolvimento – e nada mais – conseguir-se-á ser livre. Conquanto, cabe reiterar que essa liberdade apregoada pela Teologia e pela Economia, em certo sentido, tende a se firmar quando se assume o compromisso de colocar as pessoas em primeiro lugar, e de fazer com que a economia e a teologia sirvam as pessoas, e não o contrário.
Sem essas premissas (de libertar e de ajudar o próximo), parece-me adequado afirmar que tanto a economia (social), quanto a teologia (humana) não apresentam sentido de existirem.
Afinal, é importante não perder de vista que as aspirações tanto da economia social quanto do pensamento cristão é o de resgatar as pessoas para a vida; para uma vida plena, sem injustiças ou amarguras. Na essência, espera-se que tanto a Economia quanto a Teologia cumpram, de fato e de direito, as palavras de Jesus, proferidas um dia antes de sua crucificação: “Que todos sejam um só”.
(**) Publicado pela Fonte Editorial, 2008.
Por Marcus Eduardo de Oliveira
Economista brasileiro, é especialista em Política Internacional. Articulista dos sites “O Economista”, “Portal EcoDebate” e Agência Zwela de Notícias (Angola).
Autor dos livros “Conversando sobre Economia”, “Pensando como um Economista” e “Provocações Econômicas” (no prelo).
Os artigos desse autor em torno de questões econômicas têm sido amplamente publicados no Brasil e no exterior, com destaque em Portugal, Cabo Verde, Timor Leste e Angola, além de Rússia, pelo jornal PRAVDA (em sua página em português destinada aos países da CPLP).
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