A criação da Brasil Foods em detalhes
A fusão entre Sadia e Perdigão, que resultou na criação da Brasil Foods (BFR), dá origem a uma “grande multinacional brasileira”, anunciaram no dia 20 de maio o presidente da Perdigão, Nildemar Secches, e o presidente do Conselho de Administração da Sadia, Luiz Fernando Furlan.
A nova empresa nasce como o 10º maior grupo de alimentos das Américas, segunda maior indústria alimentícia do Brasil (atrás apenas do frigorífico JBS Friboi), maior produtora e exportadora mundial de carnes processadas e terceira maior exportadora brasileira (atrás de Petrobras e da mineradora Vale).
Com cerca de 119 mil funcionários, 42 fábricas e mais de R$ 10 bilhões em exportações por ano (cerca de 42% da produção), a gigante surge com um faturamento anual líquido de R$ 22 bilhões.
Quando a fusão estiver concluída, a previsão é de que possa gerar economia de até R$ 4 bilhões, o que, segundo seus executivos, vai permitir que a empresa baixe o preço de alguns produtos, ganhando novos mercados no país.
Acertos para a fusão
Em relação à participação das empresas originais na Brasil Foods, ficou acertado um percentual de 32% para os acionistas da Sadia e de 68% para os controladores da Perdigão. No processo de fusão previsto, a Perdigão muda de nome para BRF e a Sadia para HFF, e em seguida ocorre a incorporação das ações da HFF pela BRF.
O conselho será formado por representantes de ambas companhias e co-presidido por Luís Fernando Furlan e Nildemar Sanches. Entre os dois maiores acionistas da Brasil Foods está o fundo de pensão da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ) e a família Furlan, com aproximadamente 12% de controle acionário, cada um.
O acordo foi aprovado pelos conselhos de administração das duas empresas e ainda precisa passar por adesão dos acionistas de ambas.
A concretização da associação também depende da aprovação dos órgãos antitruste de outras jurisdições nas quais essa exigência legal seja necessária.
Opções para a capitalização
Para capitalizar a nova empresa será feita uma oferta pública de ações em julho, com o objetivo de captar R$ 4 bilhões. Atualmente a nova empresa acumula uma dívida líquida de R$ 10 bilhões, segundo informações divulgadas durante o anúncio da fusão.
A Brasil Foods informou ainda que realizará oferta pública de ações no valor estimado de R$ 4 bilhões, para captação de recursos. As ações da Brasil Foods continuarão a ser negociadas no Novo Mercado, ambiente da Bovespa que exige maior grau de governança corporativa e em que hoje está listada a Perdigão.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), já anunciou que tem interesse em participar da nova empresa, mas vai esperar o lançamento de ações. A fusão foi concretizada depois de meses de negociações. As discordâncias eram com relação ao valor do banco Concórdia, que pertence à Sadia, que foi feita “para baixo”– o que significou milhões de reais a menos em ações, para os acionistas da Sadia.
A crise deu um empurrãzinho
A crise econômica internacional está acelerando o processo de concentração de mercado em alguns setores da economia, como a fusão entre Sadia e Perdigão demonstra.
Esse foi exatamente o caso da Sadia: as operações com derivativos cambiais realizadas pela companhia -que a protegiam de uma desvalorização do dólar, mas lhe impingiram perdas de R$ 2,6 bilhões quando a moeda americana disparou, no segundo semestre do ano passado- a enfraqueceram a tal ponto que a união com a Perdigão pareceu inevitável.
Por situação semelhante passou a Aracruz, vendida para a VCP (Votorantim Celulose e Papel) no final de janeiro.
Outro exemplo recente é a compra, pelo grupo Cosan, em março, da endividada usina de açúcar e álcool Nova América.
Razões diferentes sobre o mesmo pano de fundo explicam a aquisição da rede de distribuição de combustíveis da Texaco pelo Ultra, em agosto do ano passado, e a fusão do Itaú com o Unibanco.
Aprovação internacional
Pelo gigantismo, a Brasil Foods também deverá ser alvo de polêmicas no exterior.
A supercompanhia está sujeita a ataques de agências antitruste que, preocupadas com a estabilidade de mercados que são grandes importadores ou que concorrem diretamente com o Brasil, podem questionar a fusão e impedir que a empresa recém-criada atue em determinados territórios.
As duas empresas terão de submeter o negócio aos órgãos de defesa da concorrência de onde têm participação relevante, para avaliação do impacto nos preços e nos mercados locais. As análises internacionais, porém, não interferem no julgamento do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Para analistas, esse será um dos mais complexos negócios analisados pelo sistema antitruste nacional.
E o Cade?
No Brasil, a tendência é que o julgamento seja demorado já que a fusão entre Sadia e Perdigão, será a operação de maior envergadura já avaliada pelo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC).
Com impactos no campo, no supermercado e na mesa do consumidor, deverá ser discutido por um ano ou mais. Isso porque as duas empresas operam em áreas similares (carne bovina, suína, de frango, lácteos, entre outros), o que combinados podem ser prejudiciais ao consumidor e exigirão avaliações caso a caso. Inclusive do ponto de vista geográfico, pois há uma concentração bastante alta em várias regiões do País
De acordo com analistas do setor de defesa da concorrência, é bem provável que os conselheiros peçam a assinatura de um Acordo de Preservação da Reversibilidade da Operação (Apro), que impõe medidas preventivas e evita que a operação se torne irreversível, por meio da venda de ativos, da demissão de funcionários ou da fusão das estruturas empresariais.
Utilizada em casos semelhantes (Ambev; Nestlé e Garoto; Brasil Telecom e Oi; Varig e Gol) essa ferramenta é reconhecida internacionalmente porque permite que as duas empresas que desejam unificar suas operações continuem atuando de forma independente sem que isso cause embaraços ou desequilíbrios aos mercados dos quais fazem parte.
A Brasil Foods tem até 9 de junho (15 dias úteis a partir da data de assinatura do contrato) para apresentar o negócio oficialmente para as entidades que fazem parte do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência: Cade, SDE e Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae). A partir dessa apresentação, as empresas começarão a negociar o Apro.
A apresentação da operação ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) é obrigatória, pois, como estabelece a Lei 8.884, é necessário levar à apreciação do órgão qualquer ato de concentração de empresas com faturamento bruto anual superior a R$ 400 milhões no mercado nacional ou que envolva fatia no mercado relevante a partir de 20% precisa passar pelo sistema. É o caso das duas empresas, que somadas terão mais de 50% dos mercados nacionais de vários segmentos.
Nas negociações para a assinatura do Apro, a BRF pretende mostrar que, apesar de liderar em diferentes categorias do mercado de alimentos industrializados, seus concorrentes não são nada desprezíveis. Grandes multinacionais de alimentos, como Tyson Foods (maior processadora de carnes do mundo e que adquiriu, no ano passado, três avícolas no Sul do País, incluindo a Macedo), Cargill (dona da marca Seara) e Bunge (que atua no mercado de margarinas com a marca Delícia ) operam livremente no País, junto com outros concorrentes nacionais.
A criação da BFR pode ser considerada como uma “super AmBev”. A diferença, entretanto, é a essencialidade dos produtos, ou seja, trata-se agora de alimentação e não de cerveja, que foi o ponto crucial nas discussões quando da fusão Brahma / Antarctica, em 1999. O negócio foi aprovado com a condição das empresas se desfazerem da marca Bavaria, de cinco fábricas e do acesso à rede de distribuição.
No entanto, para a maioria dos especialistas não há que se falar em suspensão do negócio pelo Cade, como ocorreu na Nestlé/Garoto, que ainda travam uma longa disputa judicial contra decisão do Cade. Para os advogados, a situação da Sadia/Perdigão é bem diferente. Já que os clientes dessas empresas são grandes atacadistas ou redes de supermercados que têm um poder de barganha maior que o consumidor final.
Repercussões da fusão
A CNTA (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria da Alimentação), cinco federações estaduais de trabalhadores e a Força Sindical já ingressaram com pedido formal no Cade para a realização de audiência pública a fim de discutir a criação da BRF.
A preocupação dos sindicalistas não são os mais de 100 mil empregos diretos gerados por Sadia e Perdigão, mas sim as pequenas indústrias, especialmente nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná.
Além do oficio ao Cade, os sindicalistas enviaram pedido de participação dos ministérios da Justiça, do Trabalho e do Ministério Público Federal na audiência pública para discutir a união entre Sadia e Perdigão.
Concentração de mercado
O fato é que a Brasil Foods (BRF) terá participação considerável em diversos segmentos do mercado doméstico de industrializados e outros produtos derivados de carnes de porco e aves.
Pelos dados da consultoria ACNielsen acumulados até fevereiro, a nova companhia nasce com 64,8% do mercado de pizzas prontas, 71,3% do de carnes congeladas e 84% das vendas de massas no país. Especialistas de varejo temem que a fusão seja prejudicial ao consumidor com aumento de preços no curto prazo.
Alguns especialistas em análise de varejo acreditam que o consumidor perceberá no curto prazo aumento de preços por causa da concentração de mercado.
Genericamente, a concentração de mercado sempre implica prejuízo ao consumidor. Se olharmos os segmentos onde Sadia e Perdigão têm uma grande participação de mercado juntas, a possibilidade de aumento de preços é real no curto prazo, já que não haverá concorrência.
A princípio, Sadia e Perdigão também descartam retirar qualquer das marcas hoje vendidas no mercado nacional. As empresas consideram possível defender tecnicamente junto ao Cade marcas que detenham mais de 60% de participação.
Por se tratar de um caso que vai criar grande concentração em diversos segmentos do mercado de alimentos industrializados, advogados da Sadia e da Perdigão se anteciparam e apresentaram, na semana passada, a estrutura da Brasil Foods para o presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Arthur Badin, e para a titular da Secretaria de Direito Econômico (SDE), Mariana Tavares.
Agora é esperar para ver.
Por Alexsandro Rebello Bonatto
alex@venturacorporate.com.br
www.venturacorporate.com.br
Bibliografia:
Jornal do Brasil de 20 de maio de 2009
Jornal O Globo de 20 de maio de 2009
Jornal O Estado de São Paulo de 20 de maio de 2009
Jornal Gazeta Mercantil de 20 de maio de 2009
Jornal Valor Econômico de 20 de maio de 2009
Jornal Folha de São Paulo de 20 de maio de 2009
Jornal Correio Braziliense de 20 de maio de 2009
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