Sementes da nova crise
Calote de um país europeu pode mudar todas as previsões de bons ventos para a economia brasileira
Em março de 2010, afirmei que a zona do euro se despedaçaria ou a crise da dívida pública europeia pioraria muito, provavelmente ambos. Comentei que a Grécia era só o começo. Agora, quando a crise atinge em cheio a Irlanda, forçando-a a aceitar um pacote financeiro de quase R$ 200 bilhões da União Europeia e do FMI para evitar um calote de sua dívida, é hora de retomarmos o assunto.
Neste momento, as economias desenvolvidas – com exceção das exportadoras de matérias-primas, Austrália, Canadá e Noruega – têm um desempenho econômico e uma situação fiscal frágeis. Para estimular suas economias, os outros países ricos reduzem taxas de juros praticamente a zero, imprimem dinheiro como nunca antes e desvalorizam suas moedas. Assim, estimulam seus consumidores a gastar e aumentam a competitividade de suas exportações. Além disso, estão tentando acelerar a inflação para aumentar a arrecadação de impostos, facilitando o pagamento da dívida. Qualquer semelhança com o Brasil da década de 1980 não é mera coincidência.
Acontece que os países da zona do euro não controlam suas políticas monetária e fiscal. As taxas de câmbio e juros básicos são as mesmas para todos. Países em dificuldades não conseguem ter juros tão baixos nem taxa de câmbio tão desvalorizada como necessitam. Mesmo adotando medidas duras – aumento de impostos, cortes de serviços públicos, aposentadorias e salários de funcionalismo –, sem conseguir estimular seu crescimento econômico, Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália estão em situação cada vez pior. Preocupados, investidores internacionais exigem juros mais elevados para financiá-los, o que acaba tornando a situação insustentável.
Um a um, estes países têm de escolher entre calote da dívida – como na Argentina em 2001, com o PIB encolhendo mais de 10% no ano seguinte – ou perda de soberania na política econômica, em troca de um pacote de salvamento do FMI. Grécia e Irlanda já fizeram a segunda opção. Portugal tomará o mesmo caminho em breve.
A seguir é que a coisa fica complicada. A Espanha, cujo PIB não cresce há nove trimestres, dificilmente terá tal escolha. A dívida espanhola é muito maior do que as de Grécia, Irlanda e Portugal somadas. É improvável que a União Europeia e o FMI tenham recursos suficientes para um pacote tão grande. Mesmo que se consiga evitar o calote espanhol, será ainda mais difícil impedir o colapso seguinte, o da Itália.
Em 2008, falou-se em um tsunami no mundo e marolinha no Brasil. Em 2010, nem a marolinha da crise europeia atingiu o Brasil. Um calote espanhol e/ou italiano mudará radicalmente este quadro. A primeira consequência seria uma crise bancária em toda a Europa. Os maiores credores dos países europeus em dificuldades são os bancos alemães e ingleses. O calote desencadearia perdas de centenas de bilhões de dólares, interrompendo a oferta de crédito e tragando as poucas economias europeias supostamente sólidas para o buraco. Com a crise se generalizando na Europa, só um milagre impediria que ela atingisse o Brasil e o resto do mundo.
Ponha as barbas de molho e acompanhe o noticiário europeu. Em 2011, o lucro da sua empresa, seu emprego e seus investimentos dependerão mais disso do que de qualquer outra coisa.
* Este artigo foi publicado originalmente na revista IstoÉ.
** Ricardo Amorim é economista, apresentador dos programas Manhattan Connection da GNT e Economia e Negócios da Rádio Eldorado, colunista da revista IstoÉ e presidente da Ricam Consultoria Empresarial.
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